AMAZONAS – a tragédia na ‘calha’…


A Amazónia enfrenta uma terrífica onda de incêndios que não tem paralelo nos últimos anos. Todavia, o problema não se resume à Amazónia, nem sequer ao Brasil. É uma questão de âmbito mundial.
O Amazonas tem sido vítima de diversas cobiças já que é um tesouro ambiental que influencia o clima a nível global e reveste-se em termos ecológicos de uma importância estratégica.

Nos últimos anos foi sendo desenvolvido o conhecido plano ‘Triplo A’ (Andes, Amazónia e Atlântico), isto é, um extenso ‘corredor ecológico’, com 200 milhões de hectares, onde habitam 30 milhões de pessoas, envolve 8 países sul-americanos e estende-se desde o Peru até ao Atlântico. Trata-se de um projeto que visa preservar a bacia amazónica mantendo as suas características e equilíbrios naturais e assegurar a sobrevivência de um dos maiores santuários mundiais de biodiversidade.
Este plano (Triplo A) é mais uma das vítimas da eleição de Bolsonaro dentro da lógica de que um mal nunca vem só. Bolsonaro compartilha as conceções militaristas brasileiras sobre a região amazónica e coloca os problemas de soberania, bem como uma imaginária ‘cobiça internacional’, como o leitmotiv para a intervenção pública (de cariz nacionalista) na Amazónia.

Na verdade, o futuro da Amazónia vem sendo perturbado desde o período colonial mas sofreu uma decisiva alavancagem de captura e na usurpação com a revelação de imensas potencialidades económicas desta área, nomeadamente no campo da prospeção mineira e capacidades extrativas, a indústria madeireira, bem como, o denominado ‘agronegócio’.

Bolsonaro pretende desenterrar suspeitas virtudes do malogrado ‘programa Calha Norte’, que terá tido a sua génese nas mesmas casernas onde se congeminou a ditadura militar brasileira, manteve-se sigiloso durante muitos anos e viria a ser parcialmente revelado na presidência de Sarney (numa Comissão Parlamentar de Inquérito em 1986 depois das denúncias do jornal ‘O Estado de São Paulo’).
Este programa enferma de todos os vícios, todas as incongruências e limitações de uma estrita ‘visão militarista’, onde abstratamente a ‘segurança nacional’ pontifica e os direitos de cidadania podem ser espezinhados (a ditadura militar brasileira de 1964 a 1985 foi useira e vezeira neste 'método').

O atual presidente do Brasil alinha acriticamente (devotamente?) pelo pensamento militar (alienando o ‘desenvolvimento humano’ e negando os problemas ecológicos) em relação à Amazónia, e decide combater as conceções universalistas tendentes a desenvolver políticas indigenistas e a colocar em primeiro plano preocupações ambientalistas que ameaçam este território e terão reflexos no clima mundial.
Decidiu, também, colocar a tónica de intervenção política numa área onde é um desastrado especialista – o ‘culto do medo’ e a ‘exploração da mentira’. Resolve, então, para dar força à sua demagogia, bramir publicamente a exploração de hipotéticos riscos de uma eventual ‘internacionalização da Amazónia’, que seria um veículo para a subtrair à soberania brasileira. Daí passa ao ataque às ONG’s (que responsabiliza pelo actos incendiários) dentro de um velho conceito fascistoide (que os portugueses bem conhecem): – ‘organizações subsidiadas pelo Exterior, com fins inconfessáveis!’

Como nota final e porque esta situação está intrinsecamente ligada aos presentes problemas que afetam a Amazónia, uma pequena referência ao ‘agronegócio’. O sector primário onde se pode incluir as explorações agrícolas e de gado é vetor extremamente importante para a economia brasileira, representando quase um quarto do PIB brasileiro com um papel importante nas exportações.
O ‘desmatamento’, isto é, a eliminação sistemática e programada de áreas florestais para as transformarem em pastagens ou campos para cultivo de gramíneas e oleaginosas, não é um procedimento inócuo em termos ambientais. Inclui diversos parâmetros deletérios para os equilíbrios naturais: degradação dos solos; esgotamento de mananciais (recursos hídricos); contaminações (solo, ar e água) e é uma atividade geradora de resíduos. Todavia, o 'desenvolvimentismo' tem sido uma conceção política pouco rigorosa e socialmente desastrada (criou uma legião de pobres e excluídos) que influenciou a política brasileira durante o séc. XX. Ainda hoje existem no Brasil abundantes sequelas desta conceção.
Esta ‘política de desenvolvimento’ serve uma pequena (mas influente a nível político) ‘elite ruralista’ (na verdade a moderna descendência dos velhos ‘coronéis’) e baseia-se na transformação do Brasil num ‘fazendão do mundo’, isto é, na submissão do sector primário às tradings, face visível do capital financeiro internacional.

A dramática situação que se vive na Amazónia com o desencadear de uma avalanche destrutiva pelo fogo é subsidiária destes poderosos e iníquos interesses económicos (agroindustriais) a que Bolsonaro está intimamente ligado (a bancada do BBB – Boi, Bala e Bíblia) e pretende esconder dos brasileiros e do Mundo, com acusações volúveis, gratuitas e falsas às OGN’s link.

O que Bolsonaro está apostado – como um fiel admirador da ditadura – é o regresso ao ‘projecto Calha Norte’ concepção da lavra dos militares que governaram (dominaram pela força) o Brasil entre 1964 e 1985.
O projecto para a Amazónia está, com alguma congruência, sediado no ministério da Defesa, o que diz tudo sobre o que esta Presidência pensa sobre o ambiente, o clima e o modelo político.
 
No espoliado e sacrificado território da Amazónia são hoje bem audíveis os sons das botas cardadas e o remoto aplauso dos ruralistas que – desde sempre – apoiaram ‘soluções musculadas’ para o Brasil. Triste sina que está na calha e nos saiu na rifa (aos brasileiros e ao Mundo)…

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