RYANAIR - em terra, no ar ou numa deriva (laboral)…


O Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) considerou os serviços mínimos decretados pelo Governo – na sequência de uma greve dos tripulantes de cabine da Ryanair convocada entre os dias 21 e 25 de Agosto - como uma tentativa de «aniquilar o direito à greve dos portugueses» link.
 
O despacho conjunto do ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e o das Infraestruturas e Habitação invoca 6 razões que estiveram na base deste condicionamento restritivo ao exercício do direito à greve que – numa abordagem primária – mostram uma gritante fragilidade.
Desde critérios subjetivos como a invocação que uma duração da greve prevista para 5 dias é relativamente longa (os conceitos temporais são muito volúveis); ao esgrimir de considerações genéricas sobre mobilidade dos cidadãos (“um crescimento considerável da procura de transportes aéreos”); falácias sobre descongestionamento do tráfego (“evitar o aglomerado de passageiros nacionais”); relacionar o congestionamento com risco para a segurança de pessoas e bens (invocar uma potenciação de imaginários perigos); levantar problemas de ‘insularidade’ (invocando os residentes na Madeira e Açores) tudo serviu para ‘justificar’ o injustificável os serviços mínimos na greve do pessoal de cabine da Ryanair.
 
Sobre as condições laborais e o cumprimento da legislação nacional nada foi imposto à companhia de aviação low-cost irlandesa. O Governo não pode adotar uma atitude tão alinhada com os interesses empresariais, sejam das transportadoras sejam do negócio do turismo que lhe está acoplado. Começa a fazer caminho a peregrina ideia que as greves não podem prejudicar ninguém com base numa argumentação viciada de que chocam genericamente com os direitos e interesses sociais, e entenda-se, especificamente protegem os proveitos (e proventos) empresariais.
 
Toda a gente sabe que as companhias low cost servem o transporte de cidadãos para actividades turísticas, gozo de férias e destinos de lazer. O Governo prefere passar ao lado desta realidade e apressa-se a invocar místicos prejuízos sociais.
Jamais – em tempo algum – as companhias áreas de low cost desempenharam qualquer tipo de prestação identificável com ‘serviço público’. Todas as operações que possam ocasionalmente integrar este conceito de serviço são acasos ou meras coincidências.
Mas no caso de modo esporádico existirem interesses socias impreteríveis é óbvio que a solução não é o decretar de ‘serviços mínimos’. O Governo tem ao seu dispor outros meios. Por exemplo, se existir algum caso de evacuação urgente (não é para isso que foram criadas e existem as companhias low cost) o Ministério das Infraestruturas pode perfeitamente socorrer-se da TAP para resolvê-lo (não é o Estado o seu acionista maioritário?).
Por outro lado, as alternativas são mais do que muitas. Neste momento operam em Portugal 16 companhias de aviação alternativas link (para nos cingirmos ao low cost).
 
Há alturas onde as determinações (como é o caso do despacho conjunto do ministério do Trabalho e das Infra-estruturas) têm significado político e as posições adoptadas devem ser politicamente cuidadas no presente mas essencialmente em relação ao futuro.
A inquietação é: a Esquerda não vai permanecer eternamente no Poder e resta-nos adivinhar o que a Direita fará cavalgando os precedentes que reiteradamente estão a ser criados com a banalização dos serviços mínimos.
 
Neste caso (da Ryanair) o que o governo transmite é a vontade em condicionar ou esvaziar as greves invocando motivos fúteis e despropositados, como sejam oníricos direitos de mobilidade ou de isolamento (insularidade) que se verificam quotidianamente e não podem ser invocados só quando existe contexto de conflitualidade laboral.
Só uma interpretação muito liberal do Código do Trabalho (Lei 7/2009), artº. 537, alínea h) link permitiu (ou pior justifica) a intervenção governamental no problema que opõe os trabalhadores de cabina à empresa Ryanair. 
Decididamente, estas ‘liberalidades’, não encaixam bem num Governo de matriz socialista e torna-se penoso o titânico esforço de alguns membros do Executivo para justificar o injustificável. Tanto mais que este rigor não tem qualquer equilíbrio e equidade com a atitude complacente perante violações do código trabalho, nomeadamente, a substituição dos trabalhadores em greve (denunciada pelos grevistas link) perante a morosidade de atuação da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT).
 
Mais, o pior pode estar para acontecer. Grandes empresas tentarão obter regimes laborais mais favoráveis (com menos direitos para os trabalhadores) deslocalizando a sede social para Países ‘mais permissivos’. Escolherão o destino mais conveniente, isto é, o que piores condições ‘oferecerem aos trabalhadores’. Uma réplica do que se passa na área fiscal onde se verifica que as grandes empresas foram paulatinamente deslocando a sua sede fiscal para, p. exemplo, a Holanda. Os serviços mínimos impostos pelo Governo  a esta greve na Ryanair poderão estar a alimentar esta trágica ‘mudança’, na senda da ausência, na UE, de uma política fiscal e social comum.
 
Finalizando, para além da greve representar um direito constitucional, inalienável, ‘irrenunciável’ (é assim que está inscrito no Código de Trabalho) é necessário ter presente que ‘a greve, no fundo, é a linguagem dos que não são ouvidos’ (como disse Martin Luther King).
E o Governo deverá ter a noção de que para manter a sua dignidade e autoridade democrática deverá dar voz (expressão) aos que na vida social e nas condições laborais têm sido sistematicamente silenciados.

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