As minhas contradições e as dos outros – Joe Biden e Taiwan
É frequente refletir sobre as minhas contradições e não encontrar outra explicação que não seja a distorção das situações por razões afetivas. Incomodam-me os tropeções na lógica ou na coerência.
É a razão por que reflito sobre as reiteradas contradições
da opinião pública, e publicada nos média. Há quem conteste os direitos da
Rússia sobre a Ucrânia, e a Rússia nasceu na catedral de Kiev; os da Sérvia
sobre o Kosovo, e os mosteiros ortodoxos situavam-se na região islamizada pelo
proselitismo e índice reprodutivo da imigração albanesa, que alterou a
demografia e provocou a secessão sangrenta; os de Marrocos sobre o Sahara
Ocidental; os de Espanha sobre Ceuta e Melilla, etc., etc.
São posições defensáveis, aliás, de realidades diversas, mas
surpreende-me que, com o mesmo calor com que contestam fronteiras, de facto ou
desejadas, defendam o regresso de Taiwan à China e contestem uma autonomia com
mais de 70 anos.
Sou habitualmente crítico da política externa dos EUA e,
sobretudo, das suas exibições de força, como o sou, aliás, das movimentações
belicistas da Rússia, China, Turquia ou Israel. Sinto sempre animosidade às
deslocações das esquadras, sobretudo nucleares, de potências hegemónicas,
embora todas o façam.
As manobras militares dos EUA nas águas que separam a China
de Taiwan não são da minha simpatia, mas não censuro o convite de Joe Biden ao
líder de Taiwan para a sua tomada de posse, um gesto inédito dos EUA desde 1979.
A imprensa portuguesa nunca refere que, além da diplomacia e das ameaças
musculadas, a China contrata os cérebros de Taiwan com vencimentos e regalias
excecionais para lhe exaurir a massa crítica.
Em março de 2005, o parlamento da China Continental, aprovou
uma lei antissecessão, unilateral, que autoriza o
uso da força contra Taiwan, caso declare a independência formal. A rábula, “um
país, dois sistemas”, já foi amargamente testada em Hong-Kong.
Ignora-se o conflito fronteiriço entre a China e a Índia,
países com 40% da população mundial e 2.658 km de fronteira comum, onde 50 mil
soldados de cada lado vivem em permanente tensão a 5.500 m de altitude, nos Himalaias.
O perigo de guerra e o centro de gravidade económica mundial estão a
deslocar-se para esses países. Agora.
O imperialismo americano é denunciado e o chinês silenciado.
A China não tem partido comunista, tem o partido único com esse nome e um líder
todo poderoso. É o país do mundo que mais bilionários e mais rapidamente cria
e, se necessário, mata. É herdeiro do maior genocida do século passado, Mao,
pior do que Hitler, Franco, Stalin, Pol Pot, Pinochet, Enver Hoxa, Hirohito ou
o rei Leopoldo, da Bélgica.
Em princípio, sou contra as secessões, conheço o sangue que
as alterações de fronteiras provocam, mas não entendo quem distinga entre boas
e más, em contextos semelhantes.
Taiwan terá menor legitimidade do que o entreposto da droga
e do terrorismo islâmico, o Kosovo, depois da separação de mais de 70 anos e em
regime democrático há mais de 30?
Por enquanto, para mim, a eleição de Joe Biden é a mais
auspiciosa, depois da eleição de Roosevelt em 1933.
Comentários
Chiang Kai-shek refugiou-se na ilha formosa, Taiwan, a qual sempre foi território chines. O regime comunista podia ter dizimado todos os refugiados do antigo regime mas não fez, esperou que bom filho à casa do pai regressasse. Os EUA é que aproveitaram o desconforto entre pai e filho para semearem uma quinta sua na ilha. Desde então tratam a Formosa como se de um segundo Haiti se tratasse...
Se eu defendo o direito dos escoceses ou dos catalães a essa auto-determinação, mau grado os riscos de fragmentação dos Países a que esses territórios pertencem (especialmente no caso da Espanha, onde sabemos que os nacionalismos, com o espanhol de veia franquista à cabeça, levaram sempre à violência) por maioria de razão devo fazê-lo em relação a Taiwan, um território onde o seu povo pode decidir quem o dirige, ameaçado por uma China que é um Estado totalitário.
Carlos Esperança, pior do que o facto de que a China é o país com mais bilionários, é o facto de que em vez de ser o dinheiro a mandar na política (algo de si já suficientemente nefasto, como demonstra a experiência americana) ser a política a mandar no dinheiro. O Czar local pode, como Putin, arregimentar toda a classe oligárquica, que estes por medo fazem exactamente o que ele manda. Na boa tradição oriental...