A guerra colonial e os afetos – O almoço anual dos camaradas do BCAÇ. 1936*
Boa tarde, camaradas de Malapísia e Catur.
No dia de hoje, há 58 anos, da amurada do Vera Cruz, olhámos
destroçados o cais de Alcântara de onde acenavam lenços de familiares desfeitos
na pungência da despedida por entre os quais circulavam gajas sorridentes do
Movimento Nacional Feminino, bufos e outros biltres da ditadura.
Seguiram-se vinte e seis meses e seis dias de degredo pelo
crime de sermos portugueses.
O cativeiro, dentro e fora do arame farpado, partilhando
medos e ansiedade, forjou laços que só pode compreender quem o sofreu.
Há quem sinta a nostalgia do Império e pense que podíamos
ter ganhado a guerra que a Frelimo venceu e troque os algozes e as vítimas;
outros não calam a revolta contra a guerra que quiseram esquecer e não puderam.
Todos trazemos dentro de nós a guerra em Moçambique, com memórias dolorosas dos
que lá deixámos e feridas que não cicatrizam.
São essas marcas que nos unem na intensa afetividade que
marcam os encontros anuais. É por isso que hoje, aqui no restaurante Varanda da
Régua, do amigo e ex-camarada do Catur, aqui estamos os ex-militares de Catur e
Malapísia, ansiosos pelo novo encontro que pode não chegar, algures, no ano que
virá.
É por isso que hoje é dia para encontrarmos e abraçarmos os
que restam da família que fomos, da única família que tivemos durante dois
longos e dolorosos anos.
Um agradecimento ao Barros, ao Torres e ao Carlos Lopes, que
nos convocaram, e ao Fernando que foi o anfitrião dos antigos camaradas que
todos fomos.
Um abraço a todos e, muito especialmente aos familiares que
nos acompanharam a mais este almoço de confraternização.
Até para o ano, camaradas.
* Batalhão de Caçadores 1936

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