No funeral de Francisco Pinto Balsemão

Sobre o jornalista, empresário e político aristocrata, já escrevi ontem o que me aprouve e não pretendo voltar ao tema, mas não quero ignorar o funeral cujas honras prestadas foram as devidas. Move-me o combate político na denúncia da hipocrisia dos que lhe foram ingratos e disputaram o cadáver num espetáculo de obscena necrofagia.

Hoje, quando faleceu uma referência ética do PSD, Laborinho Lúcio, os oportunistas e os parasitas continuaram a reivindicar a herança política de Balsemão, à semelhança do que fizeram desde ontem todos os que exploraram a comoção do momento. Fizeram da morte de um fundador do PPD/ PSD um comício político.

Gostei de ver nos Jerónimos a família do defunto, com aquele ar asseado, elas sem véus e todos sem o ar idiota que os beatos imaginam que agrada ao seus Deus.

A belíssima interpretação de Camané do fado Abandono, com versos de David Mourão Ferreira, trouxe à cerimónia fúnebre o bom gosto do morto com um hino à liberdade, a simbolizar a dor do povo e o tortura de quem era enclausurado no presídio de Peniche, dolorosa metáfora da repressão do regime a que os capitães de Abril puseram termo.

Hão de ter apreciado mais a mensagem deste fado os herdeiros de sangue do que os que ora se fizeram herdeiros políticos. É destes últimos que falarei, dos hipócritas e tartufos que de algum modo o traíram e devem ter ruborescido ao ouvir o filho na homenagem durante a cerimónia pia a referir-se a eles, sem os nomear.

Cavaco Silva veio enaltecer o político a quem foi desleal quando abandonou a pasta das Finanças para o combater com entusiasmo o PM e o governo de onde saiu, mas deste homem, inculto e reacionário, não se espera gratidão.

Ramalho Eanes, militar de Abril que o Grupo dos Nove promoveu aos mais altos postos das Forças Armadas e levou a PR, tornou-o conservador e crente a idade e a mulher. Talvez por isso, na tardia fé cristã, nutrida no matrimónio e na Universidade de Navarra, há de ter perdoado as ofensas do defunto, mas não podia ter esquecido que Balsemão e Mário Soares, procederam à revisão da CRP para mudar o forte pendor presidencialista para marcadamente parlamentar. Foi, de resto, o que o levou a criar o PRD, a partir de Belém, e o levou à sua presidência e à eleição de deputado.

Marcelo, certo do silêncio obrigatório que a defunção do homenageado lhe garantia, e incapaz de faltar à missa ou de ficar calado, reservou para si a primeira homilia e dizer enfático, nunca será esquecido, nunca será esquecido, num discurso de fino recorte e aparente compunção, sem que do féretro ecoasse a voz do morto a lembrar-lhe que lhe chamou Lelé da Cuca no jornal onde lhe dera emprego.

Carlos Moedas, o incompetente e dissimulado edil de Lisboa, hábil a esconder as graves responsabilidades políticas dos 16 mortos e 23 feridos do Elevador da Glória, decretou luto municipal quando já havia sido a nível nacional. Se todos os edis fossem hipócritas haveria 308 municípios a fazer coincidir o luto municipal com o nacional.

De Manuela Ferreira Leite, amiga dedicada de toda a vida política, não havia dúvidas. E não houve de Durão Barroso, impedido de comparecer por ausência no estrangeiro, pois lhe deve a herança no Grupo Bilderberg e o contributo para a carteira de relações de que se serviu para as lucrativas sinecuras que habilmente explorou.

Dos comparsas menores não falo, dos que se julgam com pedigree para a intimidade que exibiram com o extinto. E todos esses foram e são figuras menores.

Sic transit gloria mundi.

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