Balsemão, o Expresso e eu
Descansem leitores, não falarei das minhas relações com o ora defunto, em vida, claro, do cumprimento afetuoso, das refeições, do gosto em ouvir-me e de outros momentos que engrandecem o ego de tantos e, no meu caso, jamais aconteceram.
Só uma vez
nos cruzámos, ele a entrar na SIC e eu a aguardar a ida a um programa, por presidir
à Associação Ateísta Portuguesa. Devo-lhe dois ou três jantares, número igual de
dormidas, e o pagamento de alguns táxis e bilhetes de comboio das deslocações entre
Coimbra e Lisboa, nos dois sentidos. E, confesso, só agora pensei que teria
sido ele.
Nunca
esperei que no universo empresarial do grupo Balsemão, com Expresso, SIC ou qualquer
outra publicação, nascesse um órgão anticapitalista. Apenas exigi informação
decente, sabendo até que a decência tem limites, quando a ordem capitalista e
interesses que a põem em causa estão em jogo. Paguei sempre o Expresso e este
deu-me o mínimo que lhe exigi. Estamos quites nesta caminhada conjunta desde
janeiro de 1973 até hoje.
O Expresso
de hoje é dos mais desinteressantes de seus mais de 52 anos, ainda assim, a
valer a pena, não pela informação, mas pelo que nele escreveram os que tiveram
ou têm importância política. Esperava o panegírico do falecido, seria, aliás,
ingratidão e motivo de incredulidade se assim não fosse.
Encontrei o
depoimento dos que esperava. Mais uma vez, o Expresso não me desiludiu.
Não
calculam o prazer que me deu Cavaco a falar de si próprio a pretexto de
Balsemão e, em uma só frase, resumir a importância que se atribui e a
dissimulação de que é capaz o neoliberal autoproclamado ideólogo da “social-democracia
moderna”. Referindo-se ao Congresso do PPD na Figueira da Foz: “(…) Balsemão liderou, com João Salgueiro, a lista
de oposição à minha eleição para presidente do Partido”.
Quem
descobre, entre a dissimulação e a hipocrisia, que João Salgueiro era o
candidato e ele a criação inesperada do golpe de Marcelo, com proponentes
falsos, garantidos por A. João Jardim, os da Madeira, para levarem o
salazarista a líder do PPD? Derrotaram quem Marcelo designaria “um dos seus [de
Portugal] mais brilhantes economistas da segunda metade do século XX”. Na
morte, pois claro.
O resto da
desgraça é conhecido. Deixo aqui, mais uma vez, o nome dos que apostaram em
fazer regressar ao poder, por via democrática, a velha política, surgidos no
início de 1984, organizados, sob o pseudónimo de “Nova Esperança”: Marcelo R.
Sousa, José Miguel Júdice, Santana Lopes, Durão Barroso e António Pinto Leite.
E triunfaram!
Já me
alonguei e fico por aqui com a imensa mágoa de ver Ramalho Eanes a referir-se à
ditadura por «Regime anterior». E votei eu neste militar de Abril contra o PSD
e o CDS!
Não vou agora
falar mais de Marcelo, do homem que escreve e fala bem e trai melhor.
Termino com a foto do ecrã do meu televisor quando Francisco Pedro Balsemão, filho do falecido, se referia aos Hipócritas e Tartufos que traíram o pai, alguns ali à espera da hóstia, «na altura em que foi injustiçado pela classe política» (sic).

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