Médicos e Código Deontológico

Os médicos regem-se por um Código Deontológico que os proíbe de auxiliarem uma mulher que deseja interromper a gravidez, ainda que seja legal como já o é para os casos de violação, risco de vida da mãe e malformações fetais.

Numa sociedade democrática não pode haver códigos deontológicos que desrespeitem a Constituição ou boicotem a aplicação das leis do Estado. Tal código está obsoleto.

Os médicos têm, naturalmente, direito à objecção de consciência e à recusa de servirem instituições públicas que, por obrigação legal, têm de cumprir as instruções da tutela.

O direito dos médicos que se recusam a interromper uma gravidez, sejam quais forem as condições, merece respeito, assim como o direito do Estado a preferir os não objectores para preencher os quadros hospitalares.

É uma situação idêntica aos objectores de consciência em relação ao uso das armas. Eram dispensados do Serviço Militar Obrigatório mas não podiam, naturalmente, ser candidatos às forças policiais onde o uso da arma é uma inevitabilidade.

Os serviços de Ginecologia dos hospitais públicos não podem estar à mercê das idiossincrasias religiosas dos seus médicos e enfermeiros. Quando havia uma proibição legal absoluta para a IVG o problema não se punha. Tem-se posto com a lei existente, agravado no caso da vitória do SIM no próximo referendo.

Assim, a prioridade na selecção dos candidatos aos concursos de Ginecologia deve ser a obtenção de um compromisso de executar as funções legais determinadas pela tutela.

Se o Código Deontológico é anacrónico, cabe aos médicos actualizá-lo. Doutro modo é ao Estado que cabe declarar, com força de lei, a sua caducidade.

Comentários

Anónimo disse…
A questão é afinal uma luta pelo poder.Os médicos querem continuar a mandar na vida dos outros.Felizmente os tempos vão mudando.
Anónimo disse…
Carlos Esperança:
Concordo com o que escreve, excepto num ponto.
É óbvio que qualquer código deontológico terá de estar subordinado à lei (Constituição, Código Penal, etc.), e é mesmo por isso que julgo que a sua ideia para o ingresso na carreira médica é impraticável.
Seria uma descriminação incostitucional, uma vez que não se poderá definir, como condição de admissão a concurso, qualquer critério de consciência do candidato.
A legislação (decreto-lei n.º 204/98) é bem explícita nesse aspecto (liberdade total de candidatura, desde que se verifiquem os requisitos de admissão, gerais e especiais), bem como a própria Constituição, no que concerne ao direito ao emprego público.
Anónimo disse…
Carlos Esperança:

Mais, quando escreve:

«(...) obtenção de um compromisso de executar as funções legais determinadas pela tutela.»

É isso mesmo que o Funcionário Público - qualquer um - faz quando toma posse, seja médico, calceteiro ou motorista.

Ora, se o motorista é obrigado a cumprir o Código da Estrada (esse sim, com força de lei), também o médico tem de cumprir o que está estipulado na lei (e não num "código" corporativo obsoleto).
E mais: não o fazem em obediência à tutela, nunca.
Fazem-no, felizmente, em obediência ao Estado, seu empregador.

Daí que, e voltando ao assunto em apreço, nunca, em situação alguma, haja critério moral como requisito de ingresso numa relação jurídica de emprego público.

Por isso, o Estado é laico, e a Lei (com L grande) está acima de qualquer documento informal (seja o "código" dos médicos, seja um comunicado da ICAR, ou outra coisa qualquer).

Para terminar, a irrelevância de qualquer conceito moral ou religioso como critério de selecção pública na forma de concurso (ou outra qualquer), é uma conquista de ouro da laicidade do Estado.

Daí que, como é óbvio, o médico seja um cidadão como qualquer outro (nem acima nem abaixo da Lei), e seja obrigado, como qualquer outro profissional, a cumprir a lei vigente do Estado.

Se tem objecções de consciência, escala-se outro médico para proceder à IVG.
Se não houver nesse Hospital, requisita-se a outro.
Anónimo disse…
As corporações têm destes "desatinos"...
Associam-se, criam um código de conduta e depois pensam que o Mundo tem de se encaixar aí.
Os avanços e recuos sociais e cientifícos, em termos de códice, não os comovem.
As mudanças da lei ou disposições legais são "leviandandes" do Mundo.
Imutável, para o Bastonário da OM, é o Código deontológico, mesmo que já não seja deste Mundo.

Infelizmente, parece ser este o pensamento do actual bastonário da OM.
Mas não, obrigatoriamente, a posição dos médicos que por este Portugal são quotidiamente confrontados com os problemas das pessoas.

Agora, o problema da objecção de consciência é mais complicado já que entra no campo das liberdades e das opções individuais.
A objecção de consciência é, portanto, um exercício solitário dos cidadãos, estando, nesse sentido, regulamentado. Quando deixar de ser uma opção solitária e passar a ser um comportamento colectivo estamos perante outro problema. Estamos perante a contestação ou, em casos limite, a resistência à Lei. E isso não é tratado no âmbito de qualquer código deontológico profissional.
É uma questão política e/ou judicial e como tal deve ser resolvida.
Anónimo disse…
É-pá:

Quando a objecção de consciência deixar de ser individual e passar a ser colectiva.
Quando a mesma deixar de se subordinar à Lei do Estado...

Diga adeus à Democracia.
Anónimo disse…
Anónimo Ter Dez 19, 04:40:07 PM

"Quando a objecção de consciência deixar de ser individual e passar a ser colectiva.
Quando a mesma deixar de se subordinar à Lei do Estado...

Diga adeus à Democracia."

RE:
É isso que insinuo no texto.

Já agora, sem querer exagerar (alguns)apoiantes do NÃO têm tentado inviabilizar o referendo, por esses invios caminhos...
Anónimo disse…
Quer se queira, quer não, o aparecimento dessa questão neste momento, só pode ser encarado como argumento ínvio, esgrimido em favor do não.
E é nisso que consiste a pulhice desta história.
O sistema de saúde não tem, em definitivo não tem nada que se preocupar com as opções morais e as objecções de consciência dos seus agentes, que participam nele voluntariamente, para cumprir um quadro legal. São eles que têm que ter esse quadro legal em conta, quando aceitam fazer parte do sistema. Têm todo o direito à objecção de consciência estando fora dele; não têm esse direito estando lá dentro.
Não há objecções de consciência de militares em relação às missões da Bósnia, ou outras.
Não há objecções de consciência de polícias, em relação a situações de risco.
Não há objecções de consciência de professores, em relação a turmas problemáticas.
Não há objecções de consciência de prosélitos religiosos, em relação a tribos afundadas no negrume do paganismo (vade retro!), ou em bairros de ateus se os houvesse (deus nos livre!)
Por esse andar, o general do serviço não faz a intervenção porque é objector; avança o coronel, que por acaso também é; segue-se o capitão que por acaso tem mais que fazer; lá vai o sargento porque vem a seguir no rol; sobra para o soldado, que sempre foi um denodado "lutador pela vida".
Conclusão: ou vem um espanhol, oito dias depois, fazer a IVG que estava programada; ou acaba por sobrar para a mulher de virtude, que ainda tem a banca montada no vão de escada.
Com franqueza, tudo isto é apenas ridículo!
Anónimo disse…
Os portugueses sempre foram assim: não f....(odem) nem saem de cima!
Demonstram a necessidade urgente da IVG, para evitar os abortos.
Anónimo disse…
Eu só acho que daqui a uns anos, estas posições vão ser uma vergonha, mais uma vez. E um belo exemplo de que Portugal acompanha a Europa, mas sempre com 50 anos de atraso.

A Espanha sempre teve atrás de nós em termos de Legislação Social, e agora já nos ultrapassou, e está a anos-luz.

Diogo.

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