Viagem à Grécia (Crónica)
Há destinos mais interessantes para fazer roer de inveja e deslumbrar os amigos com a nossa prosperidade, mas poucos são tão decisivos para apaziguar a consciência com o tributo que devemos à nossa cultura.
É por isso que a Grécia e a sua capital macrocéfala são destinos obrigatórios. São para os europeus o que Meca e a Arábia Saudita representam para os árabes, lugares que remetem para as origens das respectivas civilizações e que, no caso da Grécia, inspiraram a cultura judaico-cristã e a humanizaram.
Não sei se ainda a habitam filósofos, artistas e escritores ou se jazem definitivamente sob as ruínas de uma civilização que entranhou a nossa.
O casario imenso, de salubridade duvidosa, mostra um irreprimível mimetismo com o passado na ânsia desesperada de transformar-se em ruínas. Atenas não é a cidade sonhada, é um espaço em que os subúrbios tomaram conta da burgo, uma imensa e catastrófica sequência de habitações degradadas que abrigam quatro milhões de pessoas, ruas pejadas de automóveis à beira de se desmantelarem, enorme quantidade de lixo a aguardar remoção e multidões de turistas a caminho da Acrópole. A Grécia, entre a glória do passado e a incúria do presente, parece ter parado no tempo e hesita nos caminhos do futuro.
A Acrópole é a bela jóia que a cidade arruinada exibe para provar a nobreza da origem. O Pártenon ainda homenageia Atena, filha de Zeus, deusa das Artes, das Ciências e das Indústrias, a quem os seus imponentes frontões e admiráveis frisos foram dedicados. Sucessivamente templo pagão, igreja, mesquita e paiol, foi nesta qualidade gravemente danificado por uma explosão no séc. XVII que lhe feriu o mármore e o orgulho, mas lhe poupou a majestade e a elegância. O Erecteu, sublime, respira dignidade e exibe o Pórtico na cópia honesta das Cariátides.
De resto, só nos museus sobra ainda o testemunho de Fídias que, mais de quatro séculos antes de Cristo, guiou o cinzel, com rigor e volúpia, desgastando a pedra até descobrir as formas femininas que a habitam, apetecidas e perfeitas, percorridas por um manto diáfano que as afaga numa glorificação da beleza e exaltação do desejo.
Nos templos, pouco frequentados, entram crentes apressados, num périplo osculatório de ícone em ícone, indiferentes aos vírus, que se persignam à chegada e à partida. Deixam uma vela acesa e uma prece antes de alcançarem de novo a rua, enquanto outros acompanham a liturgia e a desgarrada mística em que clérigos se envolvem atacando o cantochão.
Nas ruas, padres fardados a preceito, gozam a isenção de impostos, a opulência e o prestígio, namoram de mãos dadas e evitam castamente manifestações de impetuoso afecto. Uma mole imensa de turistas extasia-se no Museu Nacional com a apoteose da forma e a beleza sensual que percorre o mármore. Nos restaurantes aguarda-se que os empregados terminem o cigarro, a bebida e a conversa, antes de atenderem os fregueses.
Em Agosto, zarpam diariamente do Pireu luxuosos paquetes atulhados de gente que foge ao fumo, ao calor abrasador e aos gregos, a caminho do mar Egeu e da costa da Ásia Menor, peregrinos em busca dos lugares sagrados onde predicaram Paulo e João, ou turistas à procura de praias e de sol. Uns, muito vestidos, procuram a eterna salvação da alma; outros, despidos, o bronzeado efémero do corpo. Entre o êxtase místico e a excitação dos sentidos todos gozam, mergulhando na História que percorre a orla de três continentes e povoa centenas de ilhas.
Quem fizer a viagem, acompanhado, não se esqueça de preencher no boletim de registo de embarque o espaço da data de casamento e atribuí-la a um dos dias que irá passar a bordo. Casais que fruam uma feliz união, ainda que sazonal, não se arrependerão. Nessa noite serão presenteados com um belo bolo de aniversário e uma garrafa de bom champanhe enquanto violinos vibram parabéns junto à sua mesa, empunhados com segurança por músicos da orquestra privativa.
Depois, basta manter a compostura face aos numerosos desconhecidos que se associam às felicitações.
Publicada no Jornal do Fundão em 30-11-2006
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