Multiculturalismo e democracia

Numa sociedade pluriétnica, como a europeia, o multiculturalismo devia ser a forma de aprofundar o cosmopolitismo, de tornar o velho continente a referência da diversidade planetária, onde a miscigenação e a interação das diversas culturas se realizassem.

Seria a forma ideal de convivência, sem os demónios totalitários que pervertem relações sociais e criam suspeitas e ódios. O Império Romano soube integrar a cultura helénica e criou a greco-romana, matriz da civilização europeia. Fundiu as culturas. A Europa não pode integrar o Islão porque não há duas culturas, há a civilização e a tradição, o direito e a vontade divina, o humanismo e a sharia.

Quando uma crença é incompatível com a democracia e se pretende impor, o multiculturalismo torna-se uma utopia perigosa
.
O convívio de várias culturas é enriquecedor, mas a imposição dos valores de uma sobre outra, produz ressentimentos e ódios de que é difícil sair pacificamente. Os preconceitos culturais (de brancos contra negros ou vice-versa, de religiões contra ‘infiéis’, dos ateus contra as religiões, dos ricos contra pobres) são perturbadores e detonadores de guerras.

Na Europa, o multiculturalismo conduziu a guetos, submissos numa primeira geração e agressivos nas seguintes, donde fogem os que se integram. Há guetos étnicos, religiosos e monoglotas, que criam sistemas de defesa, segurança e penais, à margem do Estado de direito. Dessa experiência trágica, alfobres de ódio que resistem à integração, saem hoje bandos de dementes obcecados, embrutecidos e raivosos, a lançar o pânico e o caos.

É através dessa experiência negativa que devemos refletir os limites do comunitarismo que estamos dispostos a tolerar, enquanto tivermos força para obrigar. Ceder, em nome da tolerância, à misoginia, à lapidação ou ao proselitismo, é renunciar à democracia.
É na imposição do respeito pela Declaração Universal dos Direitos Humanos que temos de colocar a baliza da condescendência com valores medievais e resquícios tribais que as religiões incubaram durante séculos. A política identitária de uma comunidade não deve exceder a liberdade individual e ser fator desagregador de identidades nacionais.

A diversidade étnica e racial não pode destruir as identidades políticas e culturais, que a História criou, com novas ondas de violência para as alterar e destruir a civilização.

Há uma relação direta entre crença e ação. Quem acredita que assassinando hereges tem direito a 72 virgens no Paraíso, presta-se à prática de crimes violentos, mas não temos o dever de os tolerar. Não se discute a legitimidade de apedrejar mulheres adúlteras ou de decapitar infiéis, pela mesma razão por que não se toleram crenças que divirjam sobre conceitos de higiene básica, vacinas, educação ou o respeito por direitos individuais.

Recuso a tradição como forma de cultura, a violência como inspiração divina, as normas de conduta de acordo com manuais a que apenas as crenças atribuem origem divina.

A Europa criou leis de acordo com o seu estádio civilizacional, deve impô-las a todos os que a habitem, sem discriminação de raça, sexo, religião ou opção filosófica.

Comentários

Jaime Santos disse…
Como já disse aqui, estaremos sujeitos sempre à convivência com pessoas que, por razões religiosas ou políticas, não aceitam o carácter universal dos Direitos Humanos. Não é preciso sequer referir o fundamentalismo islâmico, basta-nos a Extrema-Direita que em tempos foi clerical mas que agora parece ter feito do Laicismo um dos seus cavalos de batalha (mas só quando é utilizado para denunciar os comportamentos de muçulmanos). A questão que se coloca é quais são os comportamentos das diferentes confissões religiosas que podemos aceitar e quais os que a Lei deve reprimir. Devemos perseguir quem abraça uma doutrina literalista que defende a subjugação das mulheres e o apedrejamento de adúlteros e de homossexuais? Se sim, deveremos então perseguir não apenas muçulmanos fundamentalistas como cristãos fundamentalistas, e note-se que na Suécia já se fez isso. Daqui se passaria para a perseguição de ideias de Extrema-Direita que apelam ao ódio racial e depois a Leis Anti-Blasfémia, porque a ofensa religiosa é frequentemente dirigida contra minorias. Eu diria que em relação a isto, fora os apelos diretos à violência enquadrados na Lei, deve prevalecer a defesa intransigente da Liberdade de Expressão, mesmo dos pontos de vista mais inanes. Porque no dia em que transigirmos nisso, todos os que combatem essa Liberdade de Expressão, incluindo os fundamentalistas muçulmanos, terão tido uma importante vitória. O meu ponto de vista é isento de riscos? Claro que não, e todos os grupos que recorram a um discurso de ódio podem e devem estar sob vigilância das autoridades. Mas para mim, o Direito à Liberdade de Expressão é ainda exercido segundo a definição atribuída a Voltaire, isto é, é o Direito a sentir-me Ofendido...
Jaime Santos:

Partilho as suas preocupações, o que não é surpresa. No entanto, julgo que bastam as leis do Estado democrático para reprimir os totalitarismos, quer religiosos, quer políticos, desde que apelem a ódio, ao racismo ou, de qualquer modo, caiam sob a alçada do Código Penal.
Jaime Santos disse…
Caro Carlos, Eu concordo inteiramente e não estou preparado para defender o crime de Delito de Opinião, por mais abjeto que o discurso seja (salvaguardadas as devidas proibições do apelo à violência, terrorismo, etc). Aliás, discordo da norma constitucional que proíbe as organizações de natureza fascista, até porque esses Partidos na prática existem, mas chamam-se simplesmente outra coisa. Mas também defendo que 'a Vigilância é o preço da Liberdade', pelo que quero um Estado atento, em que as organizações de Segurança cumprem a Lei e velam simultaneamente pelo seu cumprimento. Resumindo, parece-me que o Primado da Lei e o Humanismo ainda são as melhores armas para combater os diferentes radicalismo que assolam a Europa.
Subscrevo, Jaime Santos.
Ainda hoje fiquei satisfeito pelo facto de a União Europeia exigir tratar os alegados terroristas de acordo com a presunção de inocência. Quando abdicamos dos valores a favor da segurança perdemos os valores e não ficamos mais seguros.
Jaime Santos disse…
Caro Carlos, Sim, a noção do 'Direito do Inimigo' parece-me particularmente perturbante. Não quero Guantanamos Europeus. Fiquei igualmente satisfeito que um Hollande a fazer a corte a Le Pen tenha deixado cair o seu polémico projeto de retirar a nacionalidade a condenados por crime de terrorismo. Convém lembrar que não é certamente a primeira vez que a Europa se defronta com redes terroristas ultra-violentas, basta lembrar o terrorismo basco ou norte-irlandês, ou ainda ataques como o de Lockerbie. Em todos estes casos, a Lei e o Direito venceram a batalha, não, é certo, sem que tivessem sido cometidos abusos do lado das autoridades. O que é preciso, como foi, é uma cooperação impecável entre os diferentes países, para acabar com as bases de refúgio e as fontes de financiamento (e isso implica mexer com os paraísos fiscais). E não deixar que a queda do preço do petróleo nos torne complacentes na busca de novas fontes energéticas limpas. No dia em que pudermos passar sem o petróleo, a economia rentista e ociosa dos Estados do Golfo, que alimenta o wahabismo, colapsa... Isso obrigará os governantes locais a procurarem novas fontes de rendimento, a cobrarem impostos e a educarem as suas populações, incluindo as mulheres, o que constituirá igualmente uma oportunidade para milhões de pessoas...

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