Conferência na FCSH da Universidade Nova: o novo, o velho e os embustes…
O cancelamento(?) /adiamento(?) / suspensão(?) link da Conferência de Jaime Nogueira Pinto na FCSH da UN de Lisboa foi uma ‘argolada’, assente sob justificações cautelares e está a ter os seus desenvolvimentos. Num ápice transformou-se uma atitude provocatória numa medida de 'cariz censório', dando lugar a uma inusitada cascata de propaganda política.
A realização da conferência seria mais uma inócua manifestação de propaganda ‘folclorista’ à moda antiga tecida em redor de um explosivo caldo de cultura que, no presente, está em franca fermentação, misturando (associando) nacionalismo e populismo. É de prever, à posteriori, que a efetivação da monocórdica conferência nada de importante viria ao Mundo e teria sido evitada uma tão persistente e maléfica maré propagandística.
A conferência não é, todavia, um simples exercício de liberdade de expressão. Existe um evidente contexto que lhe está inerente onde no seu seio pululam uma montanha de contradições.
Primeiro, interessa sublinhar que qualquer ‘ato de censura’ (vamos entrar neste caminho) é, em princípio, um ataque à liberdade de expressão. Esta deverá ser uma posição de princípio. No entanto, existem situações concretas inerentes que nos relatos do ‘incidente’ (esta é outra avaliação) não devem ser escamoteadas. Não podemos ser comidos por lorpas.
Na memória dos portugueses, esse tipo de repressão da liberdade (censura /índex) não remonta à Inquisição, como historicamente se verifica, tendo sido um 'santo ofício' de combate a heresias, mas está, no inconsciente coletivo, intimamente ligada ao regime fascista, como arma de silenciamento da(s) Oposição(ões) política(s), da criatividade e do pensamento.
Ora, não é aceitável usar o 'espantalho da censura' como arma de arremesso contra as instituições do actual regime democrático e simultaneamente absolver o salazarismo dos restantes e reincidentes crimes (censórios e outros) como, por exemplo, a senda colonizadora em nome da ‘Fé e do Império’.
Vejamos porquê e quais as razões.
Na realidade, a iniciativa de um movimento dissimulado e praticamente anónimo, tem por protagonista Jaime Nogueira Pinto, um conhecido homem da Direita ultraconservadora, que depois de um período rocambolesco em terras africanas, onde se misturaram conceitos colonialistas, garimpagens diamantíferas e, ainda ‘jogos bélicos’ com perfumes mercenários, no presente, tem-se dedicado à vida académica e literária como um divulgador (e simpatizante) da Direita saudosista, fascista e colonialista. Em apoio desta concepção salienta-se a publicação de vasta produção livresca laudatória do regime ditatorial (‘António de Oliveira Salazar, o outro retrato’, Ed. Esfera dos Livros, 2007) e incursões (exacerbações) nacionalistas (Nuno Álvares Pereira, Ed. Esfera dos Livros, 2009). Simultaneamente, têm-se dedicado à investigação dos instáveis equilíbrios internacionais (escreveu ‘O Islão e o Ocidente – A grande discórdia’ Ed. D. Quixote, 2015), revelando ser o ‘pivot ideológico’ de reminiscências passadistas e ultraconservadoras. Por esse facto, ou seja, pelo exercício deste ‘apostolado’, nunca foi ‘censurado’, tem publicado e participa com alguma regularidade em meios de comunicação social nacionais, com o estatuto de comentador. Tem ‘feito o seu trabalho’, sem resvalar para atitudes provocatórias e nunca foi ‘incomodado’ por isso.
Jaime Nogueira Pinto deveria discorrer, na adiada (suspensa?) sessão, sobre a dualidade de dois conceitos que têm estado na ordem do dia: “Populismo ou Democracia – Brexit, Trump e Le Pen em debate”. Não vamos armar-nos em inocentes. O tema é candente, diz respeito a um dos assuntos que ameaça o Mundo e que a Ultradireita nacional deseja pegar para tentar apanhar o comboio da história recente do Ocidente (Europa e EUA) onde florescem múltiplos exemplos desta nova onda (populista e nacionalista). Todavia, nem sempre a abordagem nacionalista é uma atitude platónica e pacífica e, neste momento, o populismo (que esquiva-se a censurar escondendo-se atrás de 'muros') não vive propriamente um estado de graça, inspirando sérias preocupações.
A adiada conferência (outra vertente dos acontecimentos) foi promovida por um novo ‘movimento’ denominado ‘Nova Portugalidade’. Que não é propriamente uma associação de escuteiros. Isto é, de ‘novo’ e de ‘nova’ nada há e o que se pretende camuflar é o ‘velho’.
O termo “Portugalidade” explica tudo e não é novo. Significa e foi usado como uma miscelânea de nacionalismo integralista, de fascismo serôdio, de salazarismo bafiento e até de nazismo envergonhado, que vigorou entre nós nos tempos de António Ferro e do ‘seu’ Secretariado Nacional de Propaganda. Atingiu o auge nas décadas de 50 e 60 do século passado, já sem o inestimável contributo de Ferro, quando o Estado Novo vivia tempos difíceis, depois do desfecho da II Guerra Mundial, e serviu para tentar ‘justificar’ e consolidar, à ultrance, a obsoleta política colonial portuguesa consubstanciada na grandeza ‘imperial’ do ‘do Minho a Timor’. Nos tempos actuais seria tornar: ‘Portugal Great, …Again'.
Mas regressando ao presente e tentando enquadrar a conferência nos seus remotos propósitos, o citado movimento propulsor apareceu à luz do dia para reivindicar, através de uma petição, a manutenção da configuração colonial da Praça do Império. Contestam qualquer alteração paisagística à velha simbologia das ditas ‘Províncias Ultramarinas’ pretendendo perpetuar na memória urbanística as marcas e referências do ‘Império Português’ através dos brasões coloniais. O ‘ferrete colonialista’ não abandona a causa e, como sempre, aparece eivado de perfumes sebastianistas tecidos à volta de saudosismos monárquicos.
Aliás, um dos activistas deste neófito movimento, Rafael Pinto Borges, em entrevista ao jornal i on line, entreabre pequenas janelas que revelam muito. Considera o dirigente do movimento nacionalista que a descolonização foi um “trágico equívoco” e, mais adiante, exibe uma veneranda e possessiva ‘paixão’ por Salazar (“uma referência em tudo”) link. Não se percebe como, partindo de um tão arcaico e tenebroso referencial, alimenta uma tão reivindicativa adesão às liberdades, quando sabemos que um hipotético exercício de poder por esta ‘gente’ e baseados nesses pressupostos ideológicos, conduzira - sempre - à supressão das liberdades.
A colagem do Partido Nacional Renovador aos arautos da ‘Nova Portugalidade’ diz muito (ou quase tudo) sobre o movimento nascente link.
Finalmente, ficará, na dúvida interpretativa e naturalmente imersa na morosidade dos debates que caracterizam as discussões sobre jurisprudência e constitucionalidade se a situação que os promotores da adiada conferência configuram se integram nos conceitos constitucionais estabelecidos no Artº. 46, alínea 4, da CRP, onde está expresso que:
“Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilem a ideologia fascista” (sublinhado nosso).
No passado, a verificação da constitucionalidade da existência de um dos agrupamentos percursores do PNR, o 'Movimento de Ação Nacional', esborrou-se através de uma ‘oportuna dissolução’, e o PNR, depois do ‘assalto’ ao PRD, por cá continua, com os seus apêndices de ‘portugalidade’, sem merecer o mínimo crédito junto dos portugueses.
Como esta diligência jurídica não foi sequer iniciada ou gizada, a citada conferência realizar-se-á por questões de princípio e de legalidade democrática beneficiando abstratamente das liberdades conquistadas à revelia das remanescentes intenções fascistas. Porque, no concreto, subsistem as dúvidas inerentes à aplicabilidade do citado artigo 46 da CRP.
Mas o problema fulcral será outro: não conduz a nada combater o populismo e as exaltações nacionalistas com iniciativas individuais e desgarradas como a que foi tomada na assembleia de estudantes da FCSH da UNL e, depois, subscrita pela Direção da Instituição.
É necessária e urgente uma estratégia política amplamente debatida, organizada e concertada que defenda intransigentemente o regime democrático o único capaz de salvaguardar a ‘liberdade de expressão e de associação’.
Caso contrário ficaremos em casa a observar ícones da ‘portugalidade’, como por exemplo, o inefável ‘Zé Povinho’, o 'casamenteiro' Santo António, o insubstituível bacalhau, a crista do galo de Barcelos, etc. ….
A propósito de ‘cristas’ seria bom interpretarmos a ‘agitação’ do CDS link, ontem, no Parlamento quando se discutiu este assunto.
Comentários
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