O 25 de novembro merece uma releitura política

A Direita, abominando os protagonistas, confiscou a data. A Esquerda divide-se entre o silêncio e a crispação, chegando a declarar fascista a contenção do aventureirismo, com objetivos nebulosos e sem um projeto que o país tolerasse. Há uma reflexão a fazer.

Admitamos que a sorte das armas tivesse sido inversa. Era legítimo impor um modelo de sociedade repudiado? Era sequer viável? Seria uma vitória de quem, e até quando?
 
Sei qual era o ambiente no norte do País, no distrito da Guarda, onde fiz campanha pela CDE, ao lado de Jaime Gralheiro e António José Dias de Almeida, para a Assembleia Constituinte. Quebrei, em 25 de abril de 1975, a ligação a quaisquer forças partidárias, após 14 anos de modesta, mas persistente e ininterrupta militância política unitária.

Trago no meu devocionário os vencidos e os vencedores do 25 de novembro de 1975, e Carlos Fabião e Otelo, dois militares neutralizados no confronto entre os que fizeram o 25 de Abril e escreveram a mais bela página da História da liberdade. Mário Tomé e Loureiro dos Santos, cada um representando a sua barricada, em 25 de novembro, renunciaram ao confronto e deram início à normalização democrática que ostracizou os que se bateram pela liberdade.

Recordo com afeto Vasco Gonçalves, Costa Martins, Ramiro Correia, Eurico Corvacho, Mário Tomé, Dinis de Almeida, Duran Clemente, Gertrudes da Silva, Rosa Coutinho, Matos Gomes, Pinto Soares e tantos, tantos outros, que devia lembrar.

Esquecer Salgueiro Maia, José Fontão e os seus 4 capitães, Sanches Osório, Aprígio Ramalho, Monteiro Valente, Delgado Fonseca, os capitães que foram de Aveiro para se juntarem aos quatro da Figueira da Foz e se integrarem sob o comando de Gertrudes da Silva com os capitães de Viseu, esquecer esses e os outros, que libertaram Portugal da longa ditadura, é ingratidão intolerável, por maiores que fossem as divergências entre si, de Varela Gomes a Sanches Osório, e as de cada um de nós em relação a qualquer deles.

É bom recordar quem saiu vitorioso no 25 de novembro e a hierarquia de comando: gen. Costa Gomes -> gen. Vasco Lourenço -> ten. cor. Ramalho Eanes -> maj. Jaime Neves, sob tutela política do grupo dos nove conselheiros da revolução: Melo Antunes, Vasco Lourenço, Pezarat Correia, Franco Charais, Canto e Castro, Costa Neves, Sousa Castro, Vítor Alves e Vítor Crespo. Só não conheci pessoalmente Canto e Castro e Costa Neves, representantes da Força Aérea, onde Costa Martins fora fundamental no 25 de Abril. E com que coragem e determinação! Aos outros sete, quem os considera de direita ou questiona a fidelidade ao 25 de Abril? Quem esquece a cúpula inicial do MFA, Vasco Lourenço, afastado compulsivamente para os Açores, Vítor Alves e Otelo?

Vasco Lourenço e Vítor Alves estiveram entre os vencedores do 25 de novembro, como Garcia dos Santos, na chefia das comunicações, numa data e na outra, e não admitiram que o dia emblemático do 25 de Abril fosse ofuscada por outro.

Obrigado, capitães de Abril, Melo Antunes, Vasco Lourenço, Pezarat Correia, Franco Charais, Sousa e Castro, Vítor Alves e Vítor Crespo. Ainda bem que o poder foi vosso no 25 de novembro e não de Galvão de Melo ou Jaime Silvério Marques, e que o PR era Costa Gomes e não Spínola.

Comentários

Monteiro disse…
Mário Soares, que ás vezes se dizia marxista, foi o principal fautor civil da desmobilização militar querendo a todo o custo os militares nos quartéis e assim se perdeu uma oportunidade histórica e única de transformar a sociedade portuguesa entregando o País a gente menos honesta e que hoje, como se vê, ludibria a folha de presenças na Assembleia da República porque estão habituados a serem poderosamente desonestos com o poder que o 25 de Novembro lhes conferiu.
e-pá! disse…
CE:

O post é uma resenha muito centrada na situação militar que se verificava na altura dos acontecimentos.
Ora a política não se resume, nem confina, às casernas.
Embora tenham decorrido 45 anos, politicamente falando, ainda existem muitos buracos negros, ou se quisermos lacunas, acerca do 25 de Novembro. Entre um putativo golpe promovido por uma ala militar revolucionária e radical e, do outro lado, uma direita militar(izada) de base spinolista mas apoiada pelas milícias do cónego Melo e a nas peripécias intromissivas do Sr. Carlucci, há muito espaço por desbravar e muitas questões (políticas) por esclarecer.
Nesse espaço cabe muita gente que tomou posições e influenciou o curso dos acontecimentos desde Costa Gomes, Mário Soares, Álvaro Cunhal, etc., só para falar em personagens mais visíveis e relevantes do período. Na realidade, falar do 25 de Novembro esquecendo ou relegando para uma segunda linha o 25 de Abril é uma manipulação histórica que os sectores de Direita têm alimentado (e vão continuar a fazê-lo).

O problema é que, também nessa altura, existiam (poucos) militares que tivessem evidentes conhecimentos políticos e uma sólida formação democrática como foi, por exemplo, o caso de Melo Antunes.
Politicamente, Melo Antunes foi muito mais influente e determinante sobre o desfecho do 25 de Novembro em termos (políticos) de futuro do que o então 'operacional' Ramalho Eanes que, como se veio a verificar, viria a colher os louros (políticos) deste incidente no percurso pós-25 de Abril.

Sobre o 25 de Novembro pairam ainda muitas 'sombras'...

O 25 de Abril não se resume à instauração da democracia formal no País. Representa, também, o início do processo de descolonização e esse passo levantou muitos engulhos e inimigos em algumas forças (políticas e militares) no terreno que estiveram representados ou interferiram (direta ou indiretamente) nos acontecimentos do 25 de Novembro.
Esta é, por exemplo, uma das 'sombras' que será necessário ir trazendo para a luz do dia.

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