BREXIT e o desastre anunciado…
As peripécias à volta do Brexit mostram a verdadeira face do atual momento da política europeia e são um infindável romance sem se divisar um final feliz.
Nos último dias o Partido Conservador britânico entrincheirou-se no poder apesar dos desastres verificados nas negociações de saída do Reino Unido da UE mas esta é uma situação que, efetivamente, tem uma génese muito mais recuada.
Tudo começa com a ‘entrada’ da Grã-Bretanha na Europa, então, CEE. Nunca é demais ‘regressar’ aos recuados tempos de desconfiança alimentados por De Gaulle que, em 1961, determinaram o veto francês, em relação às intenções britânicas. Só em 1969, isto é, após o afastamento do velho general da atividade política, é que recomeçaram as negociações e o Reino Unido (RU) - só em 1973 - teve possibilidades de integrar a presente UE. Os problemas atuais que ensombram a relação RU/UE têm um longo e conflituoso percurso.
A postura britânica sempre foi estar com um pé dentro e outro fora. A não-adesão do RU à moeda única, as restrições à integração do ‘espaço Schengen’, o estatuto ‘especial’ em relação às políticas de imigração e refugiados, entre outras questões, foram sendo sistematicamente subavaliadas pelos líderes europeus em nome de uma mítica coesão da ‘União’, mas deveriam ter feito soar as campainhas. Pensando bem não deveríamos mostrar-nos surpreendidos com o que, nos dias que correm, está a acontecer à volta do Brexit.
As últimas negociações encetadas por David Cameron com a Comissão Europeia, em Fevereiro de 2016, para desenvolver um ‘estatuto especial’, que incluía importantes restrições á imigração interna, são a imagem de uma verdadeira capitulação dos ideais comunitários tendo como objetivo a contenção de um largo sector conservador, ultranacionalista e antieuropeísta britânico, hoje, muito visível, embora fraturado por questiúnculas internas, situação que levou, esta semana, à rejeição parlamentar do ‘acordo de saída’, acordado entre o RU e a UE.
Cameron defendeu em Bruxelas uma questão inultrapassável: o ‘princípio de subsidiariedade’ para exorcizar questões de soberania que a extrema direita levantava no reino de Sua Majestade. O ajoelhar perante as exigências britânicas – atitude que Bruxelas adotou - não evitou o Brexit e o seu resultado e, portanto, deve ser considerado um mau passo.
Tal situação é uma reprise exacerbada do que já tinha acontecido, em 1975, quando do referendo de adesão, e que levou à emergência do contestatário ‘grupo dos seis’, no interior do Governo trabalhista de Harold Wilson, contrários à associação à CEE, hoje UE. As reservas britânicas em relação à Europa Continental são antigas e decorrentes de um ancestral culto à volta de devaneios imperiais, com um perfume vitoriano, que o fim do Império não limpou das mentes, nem da política.
A derrota que a Srª. May sofreu esta semana no Parlamento mostra como - e em que medida - os britânicos continuam a ter uma postura sui generis sobre a União Europeia. Sabem o que não querem, mas não sabem o que querem.
Resumindo, querem sair da UE colhendo hipotéticos benefícios (só detetáveis na propaganda eleitoral da Direita e Extrema-Direita no tempo referendário) mas sempre alijando todas as consequências. Estamos perante o chico-espertismo de uma chamada ‘saída airosa’.
Na verdade, o governo britânico isolou-se – Theresa May não mostra ter ‘amigos na UE’ - e enterrou-se numa questão fundamental para o futuro da Europa: pretende ostracizar, através de restrições à livre circulação de pessoas, isto é, os trabalhadores europeus, valorizando a ‘Europa dos mercados’, hostilizando a dos povos e segregando o Mundo do Trabalho.
A primeira-ministra britânica releva-se, cada dia que passa, uma personagem política fraca, de atitudes ambíguas e sem visão estratégica. Apanhou o ‘comboio do Brexit’ – uma ‘herança’ de Cameron - fora dos carris, não foi capaz de promover um alargado diálogo interno e, neste momento, não tem capacidades táticas ou instrumentos estratégicos para controlar os seus desenvolvimentos e as suas consequências. O diálogo com a oposição trabalhista esteve muito tempo congelado. Agora, a sua reativação é problemática e, na realidade, o que Theresa May privilegia são os compromissos com o sector ultraconservador do seu partido.
Esta oportunista postura vai influenciar todos aqueles que acreditaram – ou ainda acreditam - na viabilidade da União Europeia coesa e solidária e ditar as condições futuras que nunca serão favoráveis.
Por outro lado, Theresa May pretende manter privilégios quando a circulação de bens, nomeadamente, os financeiros, já que a sua economia depende, em larga medida, do funcionamento da designada ‘city’, núcleo vital da movimentação financeira, económica e empresarial inglesa.
As instituições políticas britânicas têm um largo historial e funcionam há séculos. Todavia, não se adaptaram bem ao fim da ‘época vitoriana’ e hoje revelam muitas insuficiências. O Governo não é capaz de sintonizar-se com o Parlamento e não existe uma perspectiva realista para a saída da crise criada pelo Brexit.
O vírus da destruição ameaça o futuro político do Reino Unido cada vez mais ameaçado de fragmentação (Escócia, Irlanda, País de Gales, etc.). Na verdade, não é possível ter sol na eira e chuva no nabal.
A UE serviu até aqui - e ao nível interno - para compensar a progressiva decadência da Commonwealth. Hoje, os britânicos com um processo de globalização no terreno apressaram-se a abandonar o barco europeu, em favor de um 'eixo atlântico.' Uma escolha precipitada já que do outro lado do Atlântico - com Donald Trump na presidência dos EUA - não existe qualquer tipo correspondência ou de solidariedade. Foi assim que, erroneamente, avaliaram os problemas.
A evolução da situação criada pelo Brexit é preocupante. A moção de censura, apresentada pelos Trabalhistas, ao Governo da srª. May - na sequência da rejeição parlamentar do plano de acordo estabelecido com a UE - foi derrotada, esta semana, na Câmara dos Comuns. Pudera! Uma coisa são as divergências políticas contendo ameaças de colapso das instituições democráticas e outra será a permanência, a todo o custo, no poder. Colocada perante este dilema – estar ou não no poder - a Direita nunca hesita.
Só que existe Mundo para além do Reino Unido. A UE deve perder todas as ilusões sobre este assunto e trabalhar noutro comprimento de onda, mais realista e objetivo. A situação criada pelo Reino Unido é de difícil resolução embora existam múltiplos cenários possíveis. Os pragmatismos esvaziados de conceções doutrinárias conduziram-nos a esta situação.
Por exemplo, a realização de um outro referendo – que eventualmente conduzisse a outros resultados – não sararia as feridas que foram abertas ao longo deste processo e se apresentam infetadas pelo vírus da desconfiança.
A abordagem dos problemas europeus pós-Brexit tem de ser eminentemente política e consequentemente recheada de opções ideológicas. Enquanto a Europa for dominada pelas posições do Partido Popular Europeu (PPE) será difícil sair deste atoleiro.
Mas, manda a verdade que se diga, que a Srª. May não está sozinha no círculo - e no circo - das suas graves incompetências.
Os dirigentes da UE pouco, ou nada, ficam a dever à inépcia revelada por Londres. Um triste futuro surge no horizonte. Muito próximo do desastre. Não há ‘planos de contingência’ que travem a derrocada que, os mais recentes desenvolvimentos, anunciam. Estes planos só servem para adiar uma nova crise que se aproxima a passos largos e que, mais uma vez, atingirá os Países mais vulneráveis.
Aliás, muito brevemente os cidadãos europeus - com a realização de eleições para o Parlamento de Estrasburgo - vão poder tomar o pulso à critica situação que está (foi) criada.
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