Marcelo e Bolsonaro: das fraternais relações às inábeis posturas e declarações…

O conceito de Fraternidade ganhou expressão e profundidade a partir da Revolução Francesa (1789) já que era uma das divisas dos revolucionários. Todavia, a fraternidade não era então - como não o é agora - uma expressão ímpar. O cortejo reivindicativo incorporava outros dois conceitos complementares, mas essenciais: Liberdade e Igualdade.
 
Não foi este o espírito da tomada de posse de Jair Bolsonaro. Pelo que a apropriação do conceito de fraternidade – “uma reunião entre irmãos” link – expressão usada por Marcelo Rebelo de Sousa para caracterizar o encontro (‘à la minute’) com o novo Presidente é, francamente, despropositada.
E a julgar pelos discursos proferidos ontem em Brasília a evocação de Fraternidade até pode ser pejorativa para Bolsonaro. Fraternidade tem um notório conteúdo ideológico, desde a Revolução Francesa, e o neófito presidente brasileiro esconjura tudo aquilo que possa cheirar a ideologia (exceto a dele).
 
Na realidade, a revolução de 1789 foi o berço de quase todas as ideologias que hoje conhecemos começando pela liberal, passando pela socialista e acabando na nacionalista.
Fraternidade é assim um conceito de matriz republicana que influenciou o Mundo. Ora, a última coisa que desejamos é que Bolsonaro - ao que parece ‘irmão’ de Marcelo - venha a influenciar o mundo. Que fique na companhia do Sr. Órban, ou do Sr. Netanyahu, para o ‘inspirarem’ nas tropelias que planeiam.
 
A política não se pode resumir a afetividades. Quando se escorrega para este terreno é preciso ter a noção de separação entre esses desmandos afetivos, as sensibilidades inerentes e a fria e crua realidade, que não é afetiva mas efetiva. Marcelo não evidencia essa capacidade.
 
Os povos – português e brasileiro – até podem ser considerados ‘irmãos’. Todavia, uma coisa são os povos pátrios de ambas as nações e outra os dirigentes que, momentaneamente, os governam. Convinha não exagerar e fica muito mal classificar uma reunião relâmpago – símbolo de outras prioridades políticas - num encontro entre ‘irmãos’.
Na verdade, o desejável é que não haja confusões nem mal-entendidos entre regimes atuais ou futuros.
 
Definitivamente, a ida do Sr. Presidente da República Portuguesa à cerimónia de posse de Bolsonaro acaba por levantar novas questões que não se colocavam há alguns dias atrás.
Seria aceitável que Portugal desse alguma enfase e significado a um novo executivo brasileiro numa intenção de preservar relações 'especiais'.  
Estariam em causa laços históricos insofismáveis e o desejo de os manter. A primeira questão coloca-se na existência desse desejo.
A presidência de Temer exibiu uma profunda indiferença em relação às relações luso-brasileiras (indiferença que já vinha dos tempos de Dilma Roussef) pelo que, será fácil constatar que, num Mundo globalizado, os laços coloniais e as respetivas querelas, ocultas ou em aberto, são mais estorvos do que oportunidades.
As ‘circunstâncias irritantes’ surgem a cada momento e ‘emperram’ as relações bilaterais como recentemente tivemos oportunidade de constatar. 
 
Bolsonaro raramente – ou nunca – revelou a mínima intenção de enfatizar algo que se possa encaixar numa acentuação preferencial do desenvolvimento relacional luso-brasileiro.
A sua cultura histórica deve ser pouco mais do que primária e na sua oratória desbocada e virulenta a língua portuguesa é quase uma variante do ‘candango brasiliense’ (que terá assimilado na cidade onde exerceu o cargo de deputado federal quase 30 anos).
 
Hoje, é bem perceptível que entre o Governo de Lisboa e a Presidência em Brasília só cabem as normais relações entre Estados dentro de um espirito de abertura que nasce a partir do 25 de Abril e que cultivamos com todos os países. Para além disso, pode ser (é já?) comprometedor.
 
A deslocação de Marcelo a Brasília, para participar na posse de Bolsonaro, mostra-se hoje - depois do ‘escabroso arraial ultradireitista’ vivenciado no Congresso e no Palácio da Alvorada – como uma postura verdadeiramente despropositada, excessiva e, quiçá, diplomaticamente inábil.
 
Pior foi o remate desta inoportuna deslocação. O convite de Marcelo a Bolsonaro para visitar Portugal link é outra coisa: uma verdadeira argolada!

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