CGD


O nevoeiro que tem obscurecido os contornos da situação à volta da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e, malgrado a catadupa de explicações, tende a densificar-se.

Existem múltiplos problemas à volta desta instituição bancária pública que recentemente vieram a lume incendiados por uma auditoria que acaba por entrosar a CGD na ‘confusão’ generalizada (sistémica?) que infecta o sistema bancário nacional que, nos dias que correm, só residualmente, é ainda ‘português’.

A crise que decorreu entre 2008 e 2015 (...e continua de modo larvar) foi, como todos temos noção, causada pela desregulação do sector financeiro que se lançou em desenfreadas manobras especulativas o que determinou a explosão de várias ‘bolhas’.
As impiedosas medidas de austeridade impostas aos países mais fragilizados económica e financeiramente (como foi o caso de Portugal), destinaram-se não a recuperar o sistema bancário debilitado pela suas más práticas mas, começa a ser bem nítido, a ‘salvar’ alguns banqueiros das suas olímpicas incompetências, persistentes negligências e liberais venialidades (fiquemos por aqui).
 
Como escreveu Raquel Varela “…salvámos os banqueiros, perdemos os bancos” link e, pior, transformamos a dívida dos ‘investidores privados’ e especuladores em soberana, assumindo o compromisso de continuar a pagá-la por largas dezenas de anos.  Só não terá sido assim na Islândia, mas este case study está  ‘esquecido’, não vá servir de exemplo para o futuro.

A auditoria extraordinária que levantou a lebre sobre várias imparidades da CGD e revelou insondáveis ‘esquemas’ de financiamento que desembocaram em múltiplos incumprimentos ao que parece não foi 'desejada’ pelo Banco de Portugal (BdP) link.
Nada de admirar porque o âmbito temporal da auditoria (2000 a 2015) abrangia, de facto, alguns dos banqueiros do ‘inner group’ de Carlos Costa (António de Sousa, Vítor Martins, Carlos Santos Ferreira, Fernando Faria de Oliveira, José de Matos).
 
Hoje, observamos a hipócrita indignação dos partidos que até 2015 (data limite da auditoria) foram o denominado ‘arco da governação’. Podem dizer tudo o que quiserem (liberdade de expressão!), podem discutir o calendário dos acontecimentos, podem deitar culpas uns aos outros, podem estrebuchar, isto é, podem fazer tudo menos sacudir responsabilidades (políticas).
Na realidade, na questão da gestão da CGD, em relação ao problema de bem ou mal governar (gerir) uma instituição pública, entre estes partidos (PS, PSD e CDS) ninguém poderá reivindicar o estatuto de inocente.
 
Sobre o que aconteceu (...não vale a pena chorar sobre o leite derramado) o exigível, no imediato, é dar uma explicação clara e concisa de como o sistema permitiu este descalabro (sem recorrer aos subterfúgios da encriptada linguagem financeira), a responsabilização dos intervenientes na gestão (todos) e, finalmente, tentar por via judicial a recuperação dos capitais extorquidos, por personalidades e por grupos empresariais, que estão escarrapachados na auditoria (ainda sob confidencialidade).
 
Uma explicação acerca como foi possível ocorrerem estes desmandos, ao longo de década e meia, é um ato fundamentalmente político e da mais elementar obrigatoriedade cívica. Os portugueses são, na realidade, os acionistas da CGD e segundo as normas do estatuto bancário comercial têm esse direito.
Essa análise deverá ter consequências, entre elas, duas são visíveis e essenciais : o remodelar o sistema bancário de alto a baixo conferindo-lhe maior transparência e, para além disso, o rever dos mecanismos de supervisão do sector que, sucessivamente, mostram-se ineficazes.
 
A situação revelada na CGD é um turbilhão de iniquidades, incompetências, compadrios e, quiçá, corrupções que levará muito tempo a deslindar e a ‘limpar’ em toda a sua extensão. 
De líquido aflora que essa ‘limpeza’ deverá começar no imediato e existe a possibilidade de ter um bom e didático exercício inaugural: exonerar o Governador do Banco de Portugal e com ele - por arrasto - deverá cair uma 'clique de banqueiros' que, ao longo dos anos, se foram revezando na liderança das diferentes instituições bancárias, com os resultados que vamos, a conta-gotas, e para nossa desgraça, conhecendo (e pagando).  
Terá chegado a hora do sector público da banca, sob a indignação popular, dar o exemplo e questionar o sistema financeiro tal como tem existido entre nós. A CGD também pode servir esta finalidade.
 
Na realidade, toda a questão que foi levantada pela Direita em 2016 aquando da recapitalização da CGD não revelava a intenção de ir ao fundo dos problemas que agora despontam. Esse caminho estava interdito porque esse objetivo salpicava-os a todos (como está à vista). Assim, passou-se ao lado dos esquemas de favorecimento e compadrio que estavam aparentemente blindados pela imensa, poderosa e fechada ‘corporação bancária’, isto é, salvaguardados, primeiro, pelo sigilo bancário e, depois, pelo segredo de justiça.
 
A real motivação da Direita, quando, em 2016, impõe uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é torpedear os esforços de reabilitação da CGD porque no seu imaginário sonha, primeiro, degradá-la e, depois, privatizá-la. O PSD que foi um dos paladinos da CPI à CGD era na altura dirigido por Passos Coelho que nunca escondeu o apetite de privatizar a CGD (na totalidade e/ou às prestações por dispersão em bolsa) link.
 
Quando em Julho de 2017 a Esquerda põe fim à CPI da CGD – à boleia de dificuldades de acesso a documentos considerados essenciais e capazes de ‘justificar’ a necessidade de suprir um défice ('imparidades') estimado em cerca de 5.000 milhões de euros - os reais objetivos são mais vastos e eminentemente políticos (estruturais).
Tratava-se de terminar com a lenta agonia de uma instituição de referência no sistema bancário nacional (o maior banco) e, o mais importante, manter a CGD no exclusivo domínio público.
 
Esse desiderato foi conseguido e será uma das respostas mais relevantes do sistema financeiro português, nos tempos mais recentes. Não é uma conquista definitiva (como todas as vitórias adquiridas) mas terá capacidades (potencialidades) para ter um impacto relevante no sistema financeiro nacional e no desenvolvimento económico nacional. Não é coisa pouca. A Direita nunca digeriu esta saída, porque tinha 'outros planos'.
 
Por outro lado, a privatização (parcial ou total) da CGD, oculta pretensão (ou desígnio?) da Direita, foi – pelo menos – adiada para outras calendas. A Direita nunca perdoará esta ‘desfeita’ e continuará a fazer um insuportável ruído. Não o fez pelo BPN, BPP, BES, BANIF, etc., mas quando cheira a proteger e desenvolver a coisa pública, essa mesma Direita sente-se impelida a gritar: ‘aqui-d ’el-rei!’
 
Resta, finalmente, ajustar contas com os ‘salteadores da arca perdida’. É o tempo da investigação e da justiça mas, para além disso, o do esclarecimento (público) de todo este atabalhoado e complexo processo. Não investigar só os ‘favorecidos’ (que começam a saltar como coelhos), mas também os ‘facilitadores’ (que recolheram às luras). Se o não fizermos corremos o risco de tornar todo este processo ininteligível, beneficiando escandalosamente os (eventuais) infratores que, necessariamente, terão de existir.
 
Na verdade, no meio da ‘gritaria’ que se instalou, só o PCP e o BE – que por acaso (ou por motivos ideológicos) defendem o reforço de um sistema bancário público - têm idoneidade moral para questionar a situação, denunciar as ‘imparidades’ e clamar por justiça, já que estão isentos de culpas (por alibi físico e por outras posturas doutrinárias) quanto à participação nos negócios oriundos da (e na) CGD.
 
Mas para além da postura circunstancial do PCP e do BE que é fruto da conceção de poderes que vigorou até 2015 (chamada do 'arco da governação'), existem milhões de cidadãos e cidadãs anónimos(as) que diariamente se esfalfam para cumprir as obrigações resultantes de dividas que eventualmente contraíram e assumiram e que se empenham na gestão parcimoniosa, com sabedoria e contenção dos seus orçamentos pessoais e/ou familiares.
 
E estes portugueses não podem ficar à mercê de ‘populistas de ocasião’, para não lhe chamar outra coisa.

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