A crise da Direita e o risco de aviltamento da função presidencial…
Quando o PR - num dos seus recorrentes comentários políticos (é disso que se trata) - invoca uma eventual crise da Direita link para justificar a sua agenda pessoal (de intervenção diária e de futura candidatura) o líder do maior partido da Oposição (neste caso de Direita), Rui Rio, resolve sacudir a pressão e tenta endossar a crise ao regime (segundo se entende – democrático) link.
Em primeiro lugar, existe a necessidade de, para compreender a postura marcelista, saltar da cantilena dos afetos e das selfies para o campo político. Foi o que o PR fez quando, sob a diletante capa dos equilíbrios, proferiu, na FLAD, a sua mais recente arenga.
Na verdade, Marcelo Rebelo de Sousa quis dizer que só se sente ‘confortável’ num quadro de equilíbrio (instável) Esquerda/Direita propício para continuar, politicamente, a navegar em ‘águas turvas’. O discurso da estabilidade, recorrente, não passa de (mais) uma hipocrisia.
O PR deita para segundo plano o carácter representativo do cargo de acordo com a maioria político-sociológica que o elege e prefere transformar-se num ‘angariador de equilíbrios’ que pretende gerir em conformidade com as suas convicções ideológicas. Isto é, pretende compensar uma eventual viragem à Esquerda (em Outubro vamos ver!) com uma magistratura presidencial compensatória colocada à Direita.
O PR deita para segundo plano o carácter representativo do cargo de acordo com a maioria político-sociológica que o elege e prefere transformar-se num ‘angariador de equilíbrios’ que pretende gerir em conformidade com as suas convicções ideológicas. Isto é, pretende compensar uma eventual viragem à Esquerda (em Outubro vamos ver!) com uma magistratura presidencial compensatória colocada à Direita.
É exatamente o que tem estado a fazer, embora disfarçadamente, um pouco à revelia do modelo constitucional.
Na realidade, existem modelos históricos assentes nestes equilíbrios como é, p. exemplo, o caso do Líbano onde o ‘confessionalismo’ tenta compensar as diferenças ideológicas, políticas e religiosas submetendo-as a partilhas confessionais 'equilibristas' (Presidente cristão-maronita, primeiro-ministro muçulmano sunita e Presidente do Parlamento muçulmano xiita).
Portugal não tem (nem vive) esta ‘concordata religiosa à libanesa’, sempre latente na origem, mas tem sido influenciado por um tipo de conservadorismo multisecular lusitano (que é subsidiário de outras concordatas) e tem moldado a política nacional e no passado recente tem manifestações similares (embora fora do âmbito religioso) como foi a de Cavaco Silva (quando em 1996 concorreu contra Jorge Sampaio e era primeiro-ministro António Guterres) que evocou – sem sucesso - a necessidade de não ‘colocar os ovos todos no mesmo cesto’.
Hoje, Marcelo, está a retomar as argumentações cavaquistas (logo da sua família ideológica) o que não sendo ‘anormal’, aparece deslocado no tempo e em choque com a sua postura equilibrista.
É verdade que a história ‘dos ovos no cesto’ não é nova e já tinha sido invocada por Mário Soares na sua 1ª. candidatura presidencial, em 1986, contra Freitas do Amaral. Nessa altura o uso do slogan tinha justificação porque a ambição (que se entronca no PPD de Sá Carneiro link) era, nem mais nem menos, ‘uma maioria, um governo e um presidente’.
Todos conhecemos os frutos desta conjugação de poderes. Vivemo-la várias vezes a última delas entre 2011 e 2015 e sabemos que escapamos a um desastre completo por um triz – o Tribunal Constitucional. Aliás, todas as ‘Trilogias’ – incluindo as religiosas – são sempre suspeitas por se assemelharem mais a um colete-de-forças (do pensamento, p. exº.) do que a uma conjugação libertadora.
No presente, a Direita não sonha nem com a maioria, nem com a perspetiva de, a curto prazo, governar (embora as eventuais soluções governativas estejam no segredo dos deuses e, concretamente, nas mãos dos eleitores). Resta-lhe (à Direita) agarrar-se ao Presidente ou vice-versa, a ver vamos.
À primeira vista não se divisam, no presente horizonte político nacional, cidadãos (ou cidadãs) independentes, cultos, probos e impolutos para o exercício de um cargo como o definido constitucionalmente para a Presidência da República.
Sendo assim, o espectável é que qualquer cidadão, apesar (ou para além) do seu passado político e/ou partidário, tenha a capacidade de exercer este cargo com uma enorme carga cívica sem outros enfeudamentos para além da balizas constitucionais.
Este vazio será em última análise um problema transversal (tanto da Esquerda como da Direita), isto é, de regime. A recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa não responde a estes problemas.
Marcelo decidiu recandidatar-se e aceitou ficar condicionado por baias tecidas pela ‘sua’ visão de Direita e aparece, de motu próprio ou empurrado, a oferecer-se como um contrapeso institucional ao arrepio dos poderes constitucionais para equilibrar um quadro evolutivo (sempre provisório) que, neste momento, fustiga a ‘sua’ família partidária.
Uma situação com um perfil aviltante já que desvaloriza (ou anula) a capacidade arbitral e de influência do PR e inexoravelmente caminha para o abastardamento da função (presidencial) em termos representativos e capacidade de intervenção política. Sempre que um presidente com estas condicionantes dirigir uma mensagem aos outros órgãos de soberania (uma das suas competências) a dúvida (metódica), sistematicamente, se levantará terá por finalidade descortinar em que qualidade do mensageiro a estará a fazer, isto é, trata-se da defesa da ‘res publica’ ou, se é como porta-voz da Direita.
O ‘equilibrismo’ pode ser uma atitude partidária capaz de conciliar (ou iludir) fações ou tendências mas não será uma virtude institucional para o exercício de Presidente da República.
As consequências de todo este imbróglio são, neste momento, imprevisíveis mas o começo, isto é, as recentes declarações de Marcelo sobre o ‘estado da Direita’ e uma candidatura reactiva da sua lavra, não são um bom augúrio.
Na verdade, partindo de um facto que se evidencia e constata (a crise instalada na Direita) o que se adivinha (ou avizinha), isto é, o preocupante será a transposição desta deterioração política para o cargo presidencial.
Trata-se de uma evidente contaminação cuja abordagem seria mais consentânea com uma atitude de quarentena (verbal) do que de um aplauso acrítico que não surge. Assim, a crise começaria na Direita que não consegue obter uma maioria política eleitoral, nem alimenta perspetivas de, no imediato, governar, para atingir a Presidência da República que, deste modo lateral e enviesado, por em causa, por manifesta questão de parcialidade, inerente à confessa adesão à causa direitista, um dos princípios fundamentais estatuídos, entre eles, o de “pronunciar-se sobre todas as emergências graves da vida da República” (Artº. 134, alínea e) da CRP).
É este carácter galopante, de ‘cascata’ – esperemos que não seja sistémico – que faz Rui Rio falar em crise de regime. Em primeiro lugar Rui Rio ‘enfia o barrete’ e num ápice desmente toda a recente estratégia partidária de recolocação do PSD na área social-democrata. Aceitando a dicotomia Esquerda/Direita (o que nem toda a Direita faz) Rui Rio atropela a dicotomia usada desde a Revolução Francesa e imponderadamente coloca o ‘seu’ PSD na Direita (donde realmente nunca descolou) e sai em defesa da sua dama: a catastrófica situação da Direita que não servindo no imediato o PSD deve colocar em causa o regime. É a reedição do velho estribilho da Direita: nós ou o caos.
Marcelo face a estes problemas apressou-se a lançar a sua candidatura contra uma miragem de ‘monopolização do poder’ pela Esquerda, arvorando-se no lídimo guardião da Direita. Nesta ‘jogada’ – mais uma – perde a febril ‘inocência’ com que tentou (e em certa medida conseguiu), durante o primeiro mandato, iludir as performances presidenciais, imprimindo um timbre folclórico, ‘popular’, ‘afetivo’ e ‘tolerante’.
Mais, a ‘intervenção presidencial’ sugerida em nome de hipotéticos equilíbrios poderá, a curto prazo, debilitar e prolongar a reabilitação da Direita que, no sistema existente, caberá ser realizada pelos partidos políticos desse espectro (também em fase de mutação e definição). O ‘equilibrismo’ pode desequilibrar ainda mais a relação de forças.
Ora, constitucionalmente (Artº. 120 da CRP), o PR representa globalmente a República e, portanto, todos os portugueses e portuguesas e as suas instituições, não sendo compatível com este âmbito a vontade de ‘servir a Direita’ e recentrar o espectro político-partidário que, como sabemos, só muito forçadamente deixa de ser um atropelo constitucional para se transformar numa miragem de desígnio nacional.
Na realidade, a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa à PR sendo um acto ‘natural’, aparece, a partir de agora, como um propósito ‘desnaturado’. Perdeu toda a cosmopolita naturalidade que andou 4 anos a ‘construir’.
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