A humilhação das mulheres (Texto recuperado)
Chamem-me anticlerical, jacobino e carbonário; acusem-me de mal-formado, herege e ateu; apelidem-me de mata-frades, frustrado e blasfemo. Não, não posso consentir que, em nome da tradição e da vontade divina, metade da humanidade possa subjugar a outra metade.
A violência contra as mulheres é a cobarde perversidade de quem se habituou a dominar os meios de produção, a soberba de quem usa a força contra a razão, a crueza de quem julga que a tradição lhe dá direitos e confere poderes em função do género.
É preciso que a demência e a brutalidade do homem primitivo permaneçam na caverna dos hábitos e em páginas misóginas de livros sagrados para que o filho julgue inferior a mãe, o irmão se sinta superior à irmã e o homem com primazia sobre a mulher.
Deixemos os clérigos reivindicar a ordem natural e outras estultícias, os cavernícolas uivarem de raiva e os conservadores rangerem os dentes em desespero. Não há justiça sem igualdade entre homens e mulheres, não há liberdade à custa da servidão de outrem nem felicidade na humilhação e sofrimento alheios.
A violência doméstica, quase sempre do homem sobre a mulher, é a tragédia silenciosa que se oculta dos vizinhos, que a lei até há pouco ignorava, a condenação das mulheres à crueldade, impune com a desculpa da tradição e da vontade divina.
Ninguém é digno de respeito se não o souber merecer. A violência vertida nas páginas dos livros santos e na exegese dos teólogos que ensinam a agredir mulheres sem deixar marcas, ou que torturam, esfacelam e matam porque é um direito que lhes assiste, é uma nódoa incompatível com a civilização e a democracia, intolerável nos herdeiros do iluminismo e da Revolução Francesa.
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