Coimbra tem muito encanto

São comuns as cidades onde os postes se elevam dos passeios para suportar as lâmpadas que as iluminam e as árvores crescem para lhes dar sombra e oxigénio.

Em Coimbra os postes servem para garantir a iluminação e segurarem ainda os cabos elétricos dos extintos tróleis que a percorriam vagarosamente desde 1947 com paragens nas curvas, quando a carretilha de metal que deslizava pelos cabos se desarticulava e deixava sem energia o motor até à saída do condutor para repor a ligação e continuar a marcha.

As árvores foram escolhidas por amadores ou engenheiros que ignoravam o crescimento das suas raízes ou talvez por engenheiros civis ligados ao restauro de passeios, mas sem encomendas. Os passeios crescem em altura, à volta das árvores, em sólido desafio às características planas com que foram criados, em lenta e eficaz alteração do relevo. E as gramíneas brotam exuberantes do solo fértil para alergia dos transeuntes expostos ao seu pólen. 

O que há de mais singular nos postes e árvores da cidade é a sua função suplementar. Servem, tal como as paredes e esquinas das ruas, para anunciar apartamentos e quartos de aluguer no início de cada ano letivo.

Não se julgue que os postes e árvores, revestidos a fita cola transparente, são apenas o veículo promocional imobiliário, alugado à fatia, em economia informal ou com recibo. Mobílias quase novas, carrinhos de bebé, livros escolares, vestuário e computadores, estão aí à venda através de números de telemóvel, por entre ofertas de canalizadores, eletricistas, reparadores de rádios, televisões e persianas e apelos à informação sobre o paradeiro de animais de estimação desaparecidos sobe amorosas fotos dos bichos.

É lúgubre ver estes jornais de parede disputados por agências funerárias, com os nomes dos mortos em letras garrafais e, quando existem, os títulos académicos destacados que precedem o nome dos familiares até ao 4.º grau, títulos que são a glória da agência que angariou as cerimónias fúnebres de cadáveres de defuntos de tão ilustres famílias.

Há tempos faleceu um homem de 88 anos a quem, por pudor, omito o nome. Sob a foto estava o nome e, por baixo, destacado a letras maiúsculas PROFESSOR DOUTOR. A agência não se poupou a esforços e anunciou-o no muro de uma capela, nas paragens do autocarro, em várias paredes e dezenas de árvores e postes onde sobressaía por entre um modesto «aluga-se quarto a duas meninas com direito a banho» e muitos outros à espera de arrendatário.

Não me recordava, desde a inumação de um Professor Doutor Engenheiro no cemitério da Conchada, do anúncio do passamento de outro Professor Doutor.

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