Marcelo – O PR e a Constituição da República Portuguesa (CRP)

O sonho de Sá Carneiro era ter um PR e uma maioria para governar. O de Marcelo era a maioria e um governo do PSD para ter o poder que a revisão da CRP de1982 retirou ao PR. Agora, que precisava de estabilidade para o País lhe perdoar o caos que criou, pôs o país zangado com os partidos e arrependido do voto que lhe confiou.

O construtor de cenários passou a demolidor da democracia e o constitucionalista não praticante a intérprete enviesado da Constituição que jurou cumprir e defender.

A reescrita da História ampliou o que se deve a Eanes omitindo a instabilidade que criou com as sucessivas nomeações de governos de iniciativa presidencial que levaram Soares e Sá Carneiro a promover a revisão que retirou tais poderes ao órgão a que presidia. Até a tentativa de criar um partido (PRD), a partir de Belém, é sistematicamente omitida.

O exemplo do anterior PR, a tentar evitar dar posse a António Costa, frutificou. Cavaco recusava o governo que a AR lhe impunha e Marcelo a AR que lhe impunha o governo, ambos por razões partidárias. O primeiro falhou porque não teve alternativa, o segundo teve êxito porque pôde usar ainda o poder de dissolução de que o outro já não dispunha. 

Os malefícios estão à vista e não se vê como evitar a chegada a Belém de alguém que se torne popular sem escrutínio do pensamento político, de quem camufle ambições ou as crie de camuflado.

Continuarei a propor a eleição do PR por maioria de dois terços dos deputados da AR, após revisão da CRP, com os mesmos poderes presidenciais. Não voltaríamos a ter em Belém inquilinos tão pouco recomendáveis e imprevisíveis.


Comentários

Carlos Antunes disse…
Marcelo, antes de ocupar o Palácio de Belém, foi deputado à Assembleia Constituinte tendo contribuído decisivamente para a feitura da Constituição de 1976, e mais tarde foi Professor de Direito Constitucional na FDUCL, razão porque conhece, melhor do que ninguém, o regime constitucional vigente e os (limites) dos poderes presidenciais consagrados na CRP.
No entanto, uma vez eleito Presidente da República, o PR Marcelo entrou em conflito com o Professor de Direito Constitucional, interpretando os poderes do Presidente à revelia do seu manual académico (“Constituição da Republica Portuguesa Comentada”, 2000) e do que ensinava na Faculdade, arriscando-se com esta sua intervenção, a ser o responsável pela destruição do regime constitucional da 2.ª República.
No nosso sistema político-constitucional, que é o de uma democracia parlamentar, o Governo não é politicamente responsável perante o Presidente da República, pelo que o julgamento político do Governo não cabe ao PR, mas sim ao Parlamento, perante o qual aquele é politicamente responsável. Por maior que seja a liberdade de intervenção política do PR, a chamada “magistratura de influência”, ela deve conter-se nos limites das suas funções constitucionais, que não lhe conferem em caso algum, o poder de usurpar ilegitimamente os papéis do Governo e da Assembleia da República, pondo em causa o princípio da separação dos poderes.
Ou seja, como bem tem acentuado o Prof. Vital Moreira (série de publicações no seu blogue Causa Nossa “O que o Presidente não deve fazer”) o nosso sistema político não é "semi-presidencialista", mas o PR-Marcelo tem exorbitando da sua função constitucional de "poder moderador", ou seja, de garante do regular funcionamento das instituições, interferindo claramente na esfera da governação.
Ou seja, o PR Marcelo, mormente neste segundo mandato, é o que mais tem feito, nomeadamente quando assumiu o papel de oposição aos governos de António Costa (designadamente, com a dissolução de um governo suportado por uma maioria absoluta no Parlamento).
Esta conduta indevida de Marcelo de tentar levar a cabo e em surdina, uma alteração da natureza parlamentar do regime para semi-presidencial (Montenegro de algum modo tentou opor-se a esta interferência), originou o desencadear de sucessivas dissoluções do Parlamento e de convocação de eleições legislativas (3.ª dissolução em menos de 3 anos), bem podendo dizer-se que Marcelo, com a instabilidade governativa daí resultante, se tornou no maior conspirador contra o regime constitucional da 2.ª República.
Como bem afirmou o Prof. Vital Moreira, se estivéssemos no âmbito da 1.ª República, Marcelo seria cognominado como o presidente “racha parlamentos”!
Obrigado pelo comentário. Dado que é público permito-me publicá-lo no blogue e, talvez, na minha página de Facebook.

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