Touros de morte (Crónica)
A legalização dos touros de morte, há dez anos, inundou de felicidade o meu coração. Julguei as mais nobres tradições lusitanas definitivamente condenadas à clandestinidade ou abolidas. Os autos de fé, a escravatura, a pena de morte, a monarquia absoluta e outras divertidas formas de tortura são meras recordações que inebriam a alma de quem fez a primeira comunhão vestido de cruzado, mas cuja reabilitação se afigurava cada vez mais remota. Acontece que a esbulho fiscal, a dívida soberana e a depressão coletiva conhecem agora o seu apogeu mas não têm o encanto das outras tradições que se perderam. São apenas bálsamo na ferida da memória.
Num país onde a lapidação de mulheres adúlteras como espetáculo público e a excisão do clitóris como divertimento familiar não vingaram, valeram-nos os touros de morte desse Verão do nosso contentamento. É verdade que as pessoas que serram os cornos aos touros não gostariam que lhes fizessem o mesmo, mas os forcados empolgam-me sempre. A exibição da força contra a inteligência do touro, mesmo que este perca, não deixa de me extasiar.
O ministério da Cultura devia subsidiar o espetáculo em que a morte é a apoteose de uma divertida picardia em que o toureiro vai cravando alegremente as farpas no bicho. Para júbilo da multidão.
A minha Pátria continua a ser Barrancos e Portugal a exceção.
Comentários
é o chamado Ocidente,
dominado p'la Religião
do cristão impenitente?
É sádico e é pagão
o modo de viver da gente,
pois tem o culto da dôr
e do sangue do Senhor.
Nas Igrejas pendurado,
está o Cristo na cruz,
e também por todo o lado,
põem-lhe o coração à luz
e de espinhos coroado,
que impressiona e seduz.
E o Povo crente ajoelhado,
aceita a dôr conformado.
Daí o culto do sangue e da dôr,
e do espectáculo sangrento,
nas arenas,e também de desamor
das gentes que num momento,
se compraz com o sofrimento
do touro que em estertor,
na arena jaz e gran portento,
o toureiro que é matador
é em grita ovacionado
pelo cristão emocionado.