A liberdade e o Charlie Hebdo
À medida que minguam os que afirmavam “Eu sou Charlie”, crescem os que o não são e nunca se conciliam com a liberdade e, muito menos, com o que consideram excessos. Frases como «a minha liberdade termina onde começa a dos outros» ou «liberdade, sim, mas sem ofensa», são formas dissimuladas de a limitar.
A liberdade está ligada à democracia, instituição recente e geograficamente limitada, e nem aí é consensual, mas bastaria o mar de sangue dos que se bateram por ela para que a sua defesa fosse uma obrigação cívica.
O direito à ofensa é dos mais difíceis de sustentar mas, mesmo esse, é um direito cujos limites cabe aos tribunais apreciar e não pode haver outras sanções para além das que as sentenças judiciais determinarem. A justiça popular é o simulacro da justiça, a vindicta que satisfaz o ódio e a transforma em vingança.
Todos sabemos como Maomé odiava o toucinho, a ponto de os seus seguidores sentirem como ofensa a simples presença da fotografia de um porco. Temos obrigação de discutir se as idiossincrasias dos outros devem limitar a nossa liberdade. Por que razão devemos respeitar quem encara o abandono da religião – a de cada um –, como suprema afronta, punível com a pena de morte? A descrença é tão respeitável como a crença, e o humor e a sátira, por mais cáusticos que sejam, não passam da crítica legítima de quem discorda.
Os criacionistas, protestantes evangélicos, obrigam alguns estados americanos a ensinar como ciência o mito criacionista de Adão e Eva a partir do barro na olaria divina. Exige o bom senso que sejam zurzidos pelo riso, achincalhados pela sátira, humilhados pelas caricaturas até aceitarem que Darwin tinha razão e a evolução das espécies é ciência e o alegado método de criação um mito.
Não é indiferente o sítio onde cada um exerce a sua liberdade e um livro ou um jornal só os lê quem quer. Se alguém se sente ofendido por um jornal que nunca leu, não é crente, é censor. Os cartunistas do Charlie não enviaram desenhos satíricos a cada crente e, no entanto, os terroristas procuraram-nos no local de trabalho para os assassinarem.
Deixem-me rir, enquanto choro por dentro, das doutrinas que entendem que uma mulher adúltera deve ser lapidada, que a mulher violada deve manter uma gravidez do selvagem que a agrediu, da decapitação de quem renega a religião do decapitador, das normas que impedem a igualdade de género e o direito à felicidade. Rio de dor, a sangrar por dentro e com fratura exposta.
Os que hoje apelam à liberdade «sem ofensa» são herdeiros dos que viam nas vacinas a ofensa ao projeto divino, dos que pensavam que o Sol parava, por milagre, e que girava à volta da Terra, merecendo pagar com a vida a ofensa ao que estava escrito.
Geralmente, apela-se à tradição para evitar a evolução. Devia estarrecer-nos o tormento dos que lutaram contra a escravatura, contra as tradições que dividiam a Humanidade em classes, contra as que impediam o acesso da mulher ao mercado do trabalho e contra diversas formas de discriminação que continuam a existir, agora de forma mais subtil.
O riso e a sátira são armas de quem as troca por ideias. Os terroristas são alienados que recusam as ideias e o riso, de armas em punho.
A liberdade está ligada à democracia, instituição recente e geograficamente limitada, e nem aí é consensual, mas bastaria o mar de sangue dos que se bateram por ela para que a sua defesa fosse uma obrigação cívica.
O direito à ofensa é dos mais difíceis de sustentar mas, mesmo esse, é um direito cujos limites cabe aos tribunais apreciar e não pode haver outras sanções para além das que as sentenças judiciais determinarem. A justiça popular é o simulacro da justiça, a vindicta que satisfaz o ódio e a transforma em vingança.
Todos sabemos como Maomé odiava o toucinho, a ponto de os seus seguidores sentirem como ofensa a simples presença da fotografia de um porco. Temos obrigação de discutir se as idiossincrasias dos outros devem limitar a nossa liberdade. Por que razão devemos respeitar quem encara o abandono da religião – a de cada um –, como suprema afronta, punível com a pena de morte? A descrença é tão respeitável como a crença, e o humor e a sátira, por mais cáusticos que sejam, não passam da crítica legítima de quem discorda.
Os criacionistas, protestantes evangélicos, obrigam alguns estados americanos a ensinar como ciência o mito criacionista de Adão e Eva a partir do barro na olaria divina. Exige o bom senso que sejam zurzidos pelo riso, achincalhados pela sátira, humilhados pelas caricaturas até aceitarem que Darwin tinha razão e a evolução das espécies é ciência e o alegado método de criação um mito.
Não é indiferente o sítio onde cada um exerce a sua liberdade e um livro ou um jornal só os lê quem quer. Se alguém se sente ofendido por um jornal que nunca leu, não é crente, é censor. Os cartunistas do Charlie não enviaram desenhos satíricos a cada crente e, no entanto, os terroristas procuraram-nos no local de trabalho para os assassinarem.
Deixem-me rir, enquanto choro por dentro, das doutrinas que entendem que uma mulher adúltera deve ser lapidada, que a mulher violada deve manter uma gravidez do selvagem que a agrediu, da decapitação de quem renega a religião do decapitador, das normas que impedem a igualdade de género e o direito à felicidade. Rio de dor, a sangrar por dentro e com fratura exposta.
Os que hoje apelam à liberdade «sem ofensa» são herdeiros dos que viam nas vacinas a ofensa ao projeto divino, dos que pensavam que o Sol parava, por milagre, e que girava à volta da Terra, merecendo pagar com a vida a ofensa ao que estava escrito.
Geralmente, apela-se à tradição para evitar a evolução. Devia estarrecer-nos o tormento dos que lutaram contra a escravatura, contra as tradições que dividiam a Humanidade em classes, contra as que impediam o acesso da mulher ao mercado do trabalho e contra diversas formas de discriminação que continuam a existir, agora de forma mais subtil.
O riso e a sátira são armas de quem as troca por ideias. Os terroristas são alienados que recusam as ideias e o riso, de armas em punho.
Ponte Europa / Sorumbático
Comentários
“ (…) O Islão, essa absurda teologia de um beduíno amoral, é um cadáver podre que envenena a nossa vida. A população da república turca, que reclama o direito a ser civilizada, tem de demonstrar a sua civilização através das suas ideias, sua mentalidade, através da sua vida familiar e seu modo de vida".
Mustafa Kemal Atatürk (estadista e fundador da República da Turquia)