O que há de novo no Brasil?

O Brasil agita-se à volta de insuportáveis fenómenos de corrupção que ameaçam não própriamente Governo de Dilma mas mais profundamente todo o processo democrático retomado em 1985 com o fim da ditadura militar. 
O que está em causa é novamente mudanças de regime num sentido absolutamente irresponsável.
A ‘redemocratização’ do Brasil iniciada na década de 80 não será ab initio um processo liderado pela esquerda embora caiba a esta a fatia de leão no combate às atrocidades democráticas e humanitárias perpretradas pelo regime militar. Mais uma vez quem colhe os louros da história dos povos não são aqueles que lutaram pela mudança.

A transição da ditadura militar para a ‘Nova República’ foi indelevelmente marcada pela ascensão do neoliberalismo ao nível mundial e colheu aí muito da sua formatação. Existem neste novo período constitucional do Brasil duas figuras políticas que se agigantaram e que tornam os restantes protagonistas meros sobressaltos. Trata-se de Fernando Henriques Cardoso (FHC) e Lula da Silva.
FHC, na sequência dos governos de Sarney, decretou várias medidas de combate à inflação e, entre elas, o fim da Comissão de Combate à Corrupção (criada por Itamar Franco, entretanto caído em desgraça).

Essa extinção serviu impiedosamente – nos anos 90 - as medidas de privatização (na altura chamadas de ‘privatarias’) consequência do fim da guerra fria e na dependência de uma mundialização que tem sido o suporte económico e financeiro para as mais diversificadas e sofisticadas políticas neoliberais (que ainda por aí andam).

Esta foi a política do PSDB (tucana) que tem fugido (sobrevivido) ao julgamento da História e arrastou-se até às últimas eleições sob a chapa de Aécio Neves (onde enfrentou um ‘lulismo’ decadente e pouco ‘iluminado’).
A concentração de riqueza decorrente destas políticas, bem como de várias crises monetárias ‘geridas’ pelo FMI e a retoma de projectos ‘desenvolvimentistas’ enquistaram (paraizaram) a sociedade brasileira até ao dealbar do século XXI.

Na verdade, o ‘escândalo Petrobrás’, que hoje agita o Brasil, vegeta por terras de Santa Cruz desde há muito tempo. Mais precisamente desde a presidência de FHC quando se suprime o regulamento das licitações (públicas) com o Dec. 2.745/98 link que se enxertou na emenda constitucional 19/98, travestida de Reforma Administrativa mas, na verdade, foi o escancarar das portas a todo o tipo de corrupção sob a melifica forma de ‘convite’ e que acabou por afectar – por longo período – todo o tipo de contratualizações da Petrobrás. Este passo em frente na senda a corrupção foi mais uma vez promovido por FHC e entronca-se num outro, muito querido da ideologia neoliberal, que foi a extinção do monopólio da Petrobrás e sua consequente abertura ao capital privado, decretado em 1995. Criada por Getulio Vargas, em 1953, por se considerar uma empresa estratégica na área energética (petrolífera), acabou por ser acabou por ser dispersa em mercado sob o ‘ímpeto modernizador’que mais não fez do que abrir a holding estatal a todo o tipo de ‘negociatas’.
Na altura este feito deu origem a uma chicana política tendo um deputado exibido um dinossauro e afirmando que “as estatais são assim. Têm o corpo pesado, uma cauda enorme e o cerebro mínimo”. 

Faltou a visão de prever que no meio da sofreguidão especulativa e nos subterrâneos meandros da corrupção as nóveis empresas privatizadas (desestatizadas) caminham para a extinção como sucedeu aos excelentíssimos sáurios. Na verdade a privatização da Petrobrás serviu exclusivamente para financiar o ‘Plano Real’.

Mas a recuperação da Petrobrás ocorrida durante o governo Lula passou por um tímido e efémero regresso aos concursamento contractual público e a execução de um quadro de investimentos (nomeadamente no petróleo pré-sal). Todavia não abandonou, nem revogou, o facilitismo advindo dos tempos de FHC. Lula com dificuldades em assegurar maiorias no Congresso contemporizou com ‘esquemas’ de financiamento que, como toda a gente percebeu, não se esgotam no escandalo “mensalão”.  Este tem sido o esquema da ‘governabilidade’ brasileira.

Em 2008 e 2009 surgiu a crise financeira mundial e a Petrobrás foi uma das poucas megaempresas brasileiras que resistiu aos mercados. A exploração da plataforma pré-sal devolveu a posse (propriedade) do petróleo à União Federativa que tinha sido ‘doada’ às companhas petroliferas exploradoras ficando o Estado com as ‘migalhas’ (royalties). Mas o PT não desmontou o esquema de corrupção oriundo dos tucanos, nem combateu o tráfico de influências políticas. A sombra da ‘Petrobrax’, neologismo anglicista oriundo dos tempos de FHC (a  bolsa novaiorquina assim o desejou), sinónimo da sua privatização total, paira sobre esta fulcral empresa da economia brasileira.

O PT (de Lula e agora de Dilma) está a pagar condescendências passadas com liberalismos espúrios a que se junta o esboço de uma crise económica que coloca em causa a marcha do 'elevador social' accionado por Lula da Silva.
Não houve firmeza política para afrontar enormes interesses financeiros e no campo ideológico a atitude foi titubeante. Tudo isto tem custos.

O que, hoje, se exige nas ruas do Brasil é uma 3ª. volta das eleições presidenciais.  O capital financeiro, que governa o Mundo, não está disposto a contemporizar com mais um mandato de Dilma. O ‘escândalo Petrobras’ é um poço de corrupção, mas os apetites políticos e partidários vão além disso. Querem o regresso à ‘privataria’.

A reforma política que parece ter tocado os brasileiros passa necessariamente pelo regresso aos concursos públicos, pela defesa intransigente da empresa pública derrogando o estatuto de empresa de capital aberto, atribuição de maiores competências à Agência Nacional do Petróleo (organismo regulador) e pelo fim das emendas orçamentais, privilégios dos deputados previstos na Constituição, que abrem portas a todos os dislates corruptivos.
 
Os que julgam que a (re)entrada em cena de Aécio Neves aportaria alguma coisa de novo em relação ao tenebroso passado tucano na Petrobrás cedo verificariam ter caído num dramático logro.

Comentários

Uma boa síntese das três últimas décadas da política brasileira e um diagnóstico certeiro.
Bom texto, isento, coisa rara em terras de S. Cruz devido ao maniqueísmo de ideias que tem reinado por estas terras.

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