Correia de Campos e Conselho Económico e Social (CES).
Correia de Campos foi eleito – à segunda
tentativa – presidente do CES. Uma eleição que foi precedida por inequívocas manifestações
de indisciplina partidária que o voto secreto tornou impossível de apurar.
O PS, proponente do ex-ministro da
Saúde para a Presidência do CES , insistiu na sua escolha e recandidatou-o para
um cargo em que o agora nomeado visivelmente não colhe um consenso generalizado.
Na 2ª. votação consumou-se a eleição por uma ‘unha negra’ dando a ideia da existência
de um oculto ‘jogo de sombras’. Uma situação que não deixa de ter significado
político já que lhe retira força para a liderança.
Na verdade, as condições políticas
presentes têm como consequência a deslocação da centralidade política e social
para o Parlamento. O actual Governo não coloca um acento tónico no CES embora
não esteja interessado em o contrariar, ou o hostilizar, já que todas as
achegas à concertação acrescentam solidez à paz social condição primária para o
desenvolvimento. À Esquerda mais importante do que a concertação é o ‘contrato
social’. Não falamos do modelo histórico de Rousseau mas na versão socialista,
hoje, centralizada pela conquista e alargamento dos ‘direitos (e deveres) sociais’ e na preservação
do Estado Social.
Todavia - e ao contrário dos
procedimentos habituais - a Direita, desde os primeiros tempos da actual
governação, deposita imensas esperanças num bloqueio da concertação social que
lhe favoreça os desígnios de instabilidade política e governativa.
Não há dúvida que o CES poderia
ter um importante papel no terreno económico e social, se a relação de forças
fosse correcta e transparente, isto é, estivesse em consonância com as características
políticas e ideológicas das ‘posições conjuntas’ que sustentam o Governo, nomeadamente,
na definição do salário mínimo nacional e na defesa da contratação colectiva. Na
realidade, o fórum de concertação social é um órgão tripartido. Engloba centrais
sindicais, confederações patronais e o Governo. Deste modo os equilíbrios são instáveis
e transitórios. E dentro desta visão a ‘cor política’ do Governo é decisiva. Em
política não existem neutralidades, nem ‘torres de marfim’.
Mas para (parte) (d)essa mesma
Esquerda é muito difícil passar ao lado do carácter corporativo da concertação
social e ignorar as incompatibilidades e a não-conciliação de interesses entre
sindicatos e associações patronais. E para essa mesma Esquerda o ‘corporativismo’
continua a ter um significado concreto e um contexto histórico que não pode ser
liminarmente varrido porque, de facto, coarctou durante muitos anos os direitos
da força de trabalho.
As conquistas sociais e laborais resultaram das
alterações políticas directamente decorrentes do 25 de Abril que alteraram uma
relação de forças (entre o capital e o trabalho), com quase meio século de duração,
plenas de imposições, diktats e repressões, através do aparelho de Estado da
ditadura, donde sobressai no campo político a famigerada ‘Câmara Corporativa’.
Logo, a actual situação vivida no mundo laboral, com decisivos reflexos no
campo económico e social não nasceu, e muito menos cresceu, no âmbito do CES.
Pelo contrário, grande parte das
reversões e retrocessos laborais (e civilizacionais) foram impostos por ‘credores’
que assumiram o papel de activos intervenientes políticos, como verificamos de
modo mais claro e notório nos últimos 4 anos, e, face ao descalabro e a
vergonha de tais abusivos procedimentos, constatamos que o CES (honrosamente excluindo
alguns membros) foi avalizando, aqui e acolá, esses recuos e cedências aos
mercados, sob a forma de nebulosos ‘acordos de concertação’, posteriormente
exibidos na praça pública como vitórias políticas. A concertação social, para a
Direita, tornou-se um instrumento de credibilização externa (face aos ‘mercados’
e investidores’). Ora não é essa (ou não devia ser) a concepção da Esquerda.
Não se conhece produção política,
ou até académica, de Correia de Campos sobre salário mínimo nacional nem que o
político tenha um especial apego à contratação colectiva. Tal como o seu predecessor
Luís Filipe Pereira foi, enquanto exerceu funções ministeriais executivas, um
acérrimo promotor dos ‘contratos individuais de trabalho’ no sistema público de
saúde.
Por outro lado a sua contribuição
para o Livro Branco da Segurança Social, actividade que desenvolveu entre
1996-98, foi tudo menos uma prestação consensual, pelo menos à Esquerda do
leque político nacional.
Receio bem que as manobras e os
equilibrismos à volta da reeleição de Correia de Campos para a presidência do CES
pouco adiantem para além de meras questões da deontologia à volta de (frágeis) acordos
parlamentares de gabinete. São em grande medida um exercício de subordinação (disciplina)
dos deputados às direcções partidárias, mas é um assunto que pouco diz aos
cidadãos.
O problema é que a insistência que
está subjacente à reapresentação de Correia de Campos para o cargo poderá vir a
revelar-se como um banal ‘erro de casting’. Situação em que o político Correia
de Campos poderá ter colaborado não assumindo uma atitude que muitos
reconheceriam como digna:
- Retirar-se (depois do ‘chumbo’
da 1ª. votação) da corrida ao cargo [*].
[*] – Declaração de interesses: Tenho
pelo Prof. Correia de Campos a maior consideração e estima pessoal. Mas é
exactamente em respeito por essa prestimosa condição que fui ‘empurrado’ para o
remate final deste post.
Comentários
Mas o modelo de concertação em Portugal precisa de romper com inúmeros vícios corporativos que ainda perduram.
Todavia, transitaram para futuro algumas benfeitorias. Como, por exemplo, a 'negociação colectiva', que nos finais dos anos 60, foi ganhando terreno pressionada pelas lutas sindicais.
Trágico, ou só significativo, foi o recente período da governação neoliberal (Passos Coelho) que recuou para além do Estado Novo e em nome de 'reformas estruturais' e de uma 'flexibilização' (de um só sentido) quis incentivar os contratos de trabalho individuais em detrimento da negociação colectiva.
Uma estratégia anti-sindical, tão cara aos ultra conservadores e cujos resquícios permanecem quase intactos (nas confederações patronais), dificultando (ou inquinando) qualquer tipo de concertação.
A questão para a Esquerda é prévia e ideológica passando pelo reconhecimento (ou não) de conflitos de classe (versão moderada da marxista 'luta de classes').
Um outro pólo da concertação que tem andado arredio é a definição do modelo de (re)distribuição da riqueza.
Espaço (político e social) não falta para a concertação. O problema é estar transformado num órgão absolutamente instrumental.