2016 e o indecifrado enigma do muro de Berlim…
Os últimos acontecimentos que ocupam os noticiários, traduzem profundas perturbações no espaço europeu em termos de segurança e merecem uma reflexão.
O acto terrorista de Berlim acrescido do permanente abortar de ameaças terroristas em incubação em diversas cidades da Europa, mostram que o prolongamento da guerra no Médio Oriente transformou-se num pesadelo para todos aqueles que querem viver em liberdade.
A actual situação política regional e o contexto económico derivado da defesa de posições geoestratégicas e militares (e no domínio energético) por parte das potências ‘mundiais’, com as consequências bélicas que conhecemos todos os dias, é uma das principais alavancas do terrorismo com base no Médio Oriente – isto parece ser uma opinião consensual - mas não estará, propriamente, na sua génese. Esta é diversificada e, por outro lado, muito mais remota.
Basta olhar para a última delimitação de territórios e o desenho de Estados e fronteiras em vigor que confinam (acomodam ou ignoram) os povos, decorrente da conferência de Yalta onde foram acordadas, para o Mundo, áreas de influência decorrentes da última grande guerra, para compreender que esse acordo, obtido entre os vencedores, não responde às actuais circunstâncias. Particularmente no que diz respeito ao Médio Oriente.
Todos (re)conhecemos que o longo percurso do conflito israelo-palestino será o elemento desestabilizador major da região. Isto é, uma decisão do pós-guerra que evoluiu para a causa remota de um insanável diferendo entre o dito Ocidente e uma multiplicidade de países islâmicos.
Se exceptuarmos a Arabia Saudita e no seguimento, à boleia, algumas monarquias sunitas do Golfo, a família Saud negociou directamente (e à margem de Yalta) com os EUA (Fevereiro 1945 entre Abdul Ibn Saud e Truman a bordo do cruzador Quincy), sentados em cima de um explosivo barril de petróleo, condições específicas e leoninas no pós-guerra, alianças cegas de protecção e delimitação de influências, estaremos próximos das causas recentes da conflitualidade exponencial nesta região do mundo.
A segurança da monarquia saudita selada nesse encontro em mar alto viria a condicionar a evolução dos acontecimentos no Mundo, porque inteiramente dependente da repartição e captura de fontes energéticas derivadas dos hidrocarbonetos, condicionantes primárias do desenvolvimento global encarado lato sensu.
A aceitação da coexistência de 2 blocos político-militares (também consequência das condições acordadas no pós-guerrra) tendo como separador uma ‘cortina de ferro’ (para usar a expressão atribuída a Churchill) entre os dois blocos viria durante o século XX a condicionar outras circunstâncias envolventes cujo reflexo na actualidade é bem evidente.
Ora, o acordo de Yalta foi um pacto entre as 3 potências vencedoras (EUA, URSS e GB) perfeitamente datado. O seu fim formal ocorre no início dos anos 90 após a implosão do regime soviético. Nasce dos escombros deste desabamento a globalização sob a batuta do neoliberalismo que está longe de transportar no seu ventre a Paz.
O terrorismo fundamentalista é um produto indirecto e tardio – uma consequência oculta - das estratégias de desmantelamento da URSS que foi avaliada sumariamente como uma vitória do Ocidente, sem outras consequências, quando foi uma profunda convulsão história, esta sim, com reflexos globais.
A primeira alteração nos equilíbrios pós-guerra foi – hoje é fácil entendê-lo – a aproximação, nos anos 70, dos Estados Unidos à China, sob a batuta de Henry Kissinger. Aproveitando as desavenças ideológicas sino-soviéticas, os EEUU, descartam Taiwan (seu tradicional aliado) e introduzem, por conveniência táctica, o ‘gigante asiático’ no concerto Mundial. Mais uma vez jogaram aqui os interesses imediatos – desvalorizando a concepção de Xiaoping ‘um país, dois sistemas’ - na convicção de que esta mudança, por si só, enfraqueceria a URSS.
Ignoraram que estavam a mexer no arranjo de situações político e económicas capazes de influenciar globalmente o Mundo e a criar novos equilíbrios.
Quando no final da década de 70 e 80 Moscovo (1979-89) se envolveu num conflito no Afeganistão, os EUA, vêem uma nova oportunidade de cercar o regime soviético e, com a colaboração do Paquistão, criaram, apoiaram, treinaram e equiparam os talibãs.
Em muito pouco tempo perderam o controlo sobre estes fundamentalistas donde viria a nascer a Al Qaeda que, rapidamente, se tornou num quebra-cabeças de todo o Ocidente e em particular para os EUA. Mesmo assim, os americanos continuaram a apoiar os interesses sunitas (nomeadamente com guerra Iraque-Irão) até que o 11 de Setembro de 2001 lhe mostrou, portas adentro, a verdadeira dimensão da monstruosidade de uma ‘criação’ absurda.
Apesar destes resultados deram outro passo em frente (rumo ao precipício) e arrancam para uma invasão do Iraque cujas nefastas consequências ainda têm rebates diários, em toda a região, nos tempos actuais.
Longe de resolver as questões que iam surgindo em cascata avançam para um novo campo minado: as ‘primaveras árabes’. Ninguém quer fazer balanços desta ‘rua árabe’ que foi, entretanto, varrida por um vendaval incontrolável, onde se soltaram, na rua, as mais bárbaras acções e se ‘entregou’ o poder a facções políticas controladas por fundamentalistas bastando, para ilustrar esta imagem, dar uma olhadela ao estado actual da Líbia.
Quando as convulsões que foram percorrendo o Norte de África chegam à Síria sucede o imprevisto. Bashar Al Assad não abandona o poder – consegue capitalizar o apoio da Rússia e complacência da China - e lança a maior confusão no Médio Oriente onde sunitas, xiitas, curdos e outros grupos étnico-religiosos minoritários se envolvem combatendo o poder instalado em Damasco mas simultaneamente guerreando-se entre si. A leitura dos fundamentos religiosos para interpretar tamanha violência é difícil de conseguir. Todavia, as religiões (todas) não podem lavar as mãos da génese destes conflitos já que a regra, ao longo de séculos, foi conspurcá-las com sangue.
Esta barafunda é o ninho de procriação de um califado e o berço do incontrolável Estado Islâmico. O Daesh é a evolução ‘natural’ do Al Qaeda num terreno político armadilhado e demarcado por uma facção religiosa (islamita) e foi ‘condicionada’ por opções ocidentais que estimularam a transformação de uma rede-base (‘al qaeda’ em árabe) terrorista num pretenso ‘Estado’ do mesmo calibre recheado com nefastas e alargadas ambições.
Para os fundamentalistas trata-se da ‘restauração’ do império otomano e este facto tornou extremamente sensível e delicado o relacionamento político e militar do Ocidente com a Turquia (sede do último califado).
Em linhas muito sintéticas o estado actual da política global encaixa-se nestes parâmetros. Não se considerou a deslocação dos centros de poder (político, económico e financeiro) para o Oriente que sendo importante ainda não condiciona de modo determinante a evolução da situação no Médio Oriente. Mas este é também um estadio ou mais uma etapa do mundo após o fim da guerra fria, em que as mudanças ocorrem vertiginosamente e frequentemente os intervenientes políticos perdem o rumo.
A evolução política global não se apresenta como sendo portadora de um futuro esclarecido, nem risonho. A eleição de Trump como presidente dos EUA acarretará necessariamente novas (outras) modificações nos equilíbrios existentes. Trará para a cena política a Rússia de Putin, diminuirá o peso da Europa (encarcerando a sua capacidade de influenciar políticas globais, remetendo-a a pelejas nacionalistas e populistas) e, finalmente, prepara-se para afrontar – numa lógica comercial e financeira - o poderio asiático, genericamente, representado pela China. Coincidência: Trump e Putin, há poucos dias, anunciaram quase simultaneamente o reforço do arsenal nuclear perante o sepulcral silêncio do Oriente.
De fora fica a evolução da situação militar e as consequentes relações de força, nomeadamente, quando avaliada no contexto do armamento nuclear. É aqui que começa um outro pesadelo, não só para os diferentes intervenientes de peso na cena mundial, mas para a Humanidade.
E o mais grave é a convicção generalizada (inclusive no interior dos EUA) de que um ‘pato bravo’ que, pela via populista, ascende ao poder em Washington será manifestamente incapaz de gerir a difícil situação que se adivinha e avizinha.
A História já nos demonstrou recentemente o custo das derivas populistas, i. e., no século passado o mundo pagou em vidas e destruição um preço elevadíssimo.
Algo está de novo a desabar diante nós perante uma terrível impotência de intervenção e uma manifesta incapacidade de mudar o rumo e travar a deriva.
O muro de Berlim e o significado da sua queda, será, no momento, e cada vez mais, um facto histórico transcendental e um remoto epicentro de uma tempestade política que grande parte da Humanidade não conseguiu (ainda) abarcar e decifrar.
Todavia, paira no ar a sensação que na sequência do muro derrubado persiste um imenso vazio de futuro, enquanto se prepara, por todo o lado, a construção de novos muros.
E o temor reside no facto de, passados 25 anos de sucessivos rearranjos, que foram ocorrendo depois da queda do muro de Berlim, ninguém (nenhum dirigente ou movimento político/partidário de peso na cena internacional) parece disposto (determinado) a amurar as liberdades fundamentais tornando-as uma fortificação inexpugnável aos populismos, autoritarismos, nacionalismos serôdios e fundamentalismos (de toda a espécie).
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