Das eleições francesas ao defice informativo e à convulsão europeia...

O interesse dos cidadãos europeus nos resultados das eleições presidenciais francesas esconde os medos de uma convulsão europeia eminente e o adiar de uma imprescindível clarificação do sistema democrático. Isto sucede independentemente do espectro político que cada cidadão possa enquadrar.

Na verdade, a insistência em revitalizar um modelo de democracia representativa, que um rol de problemas colocaram numa encruzilhada, tende a ocultar que o ultraliberalismo económico tem de destruir esse ‘modelo clássico’ para se afirmar.
Os mercados não estão disponíveis para serem publicamente escrutinados ou submeterem-se mudanças determinadas pelo voto popular. A ameaça ao conceito democrático oriundo da Revolução Francesa passa por este drama. A soberania transferiu-se do povo para um estrito núcleo financeiro em que o sistema é a cooptação (entre amigos e compinchas) e não a eleição (universal).

O aparecimento de 'líderes populistas', por todos os lados, não é um acidente mas uma previsível consequência da atrofia e degenerescência do ‘modelo democrático clássico’. Durante muito tempo repetiu-se a afirmação de que ‘não existe democracia sem partidos’. Ocultando que quando a Democracia ‘morre’ ou é ‘capturada’, os partidos políticos são, imediatamente, banidos.

Hoje vemos alcandorarem-se aos mais altos cargos públicos personagens que ‘cresceram’ à margem (quando não à revelia) dos partidos, entendidos estes como organizações políticas e sociais com um programa ideológico claro e definido e propostas de transformação e acção comunitária credíveis, equitativos e justas que deverão ser coletivamente discutidas e submetidas a votos.

Por exemplo, Donald Trump nunca foi um dirigente do Partido Republicano norte-americano, mas acabaria por ser apoiado por este, devido a restritas e tácticas questões de ‘conquista do poder’.
Hoje, o negociante de imobiliário e entretainer de reality shows, já instalado em Washington (ou em ‘Mar a Lago’ na Flórida) pretende ter uma ‘vida autónoma’ (à margem das instituições democráticas americanas) concertada pelo seu circulo íntimo (familiar e de negócios). De facto, levou de ‘arrastão’ para a Casa Branca e à margem das instituições existentes um conjunto de personagens que operam em movimentos e organizações ‘fechadas’ e facciosas, grupos e clubes capazes de ensombrar o futuro do Mundo (e não só dos americanos). De facto, o slogan ‘America, First’, da lavra do Sr. Steve Bannon (oriundo da sinistra organização de Extrema-direita ‘Breitbart’), está amputado do seu real alcance. Falta acrescentar: and 'The World, After!’.
Por outro lado, a exposição destes títeres aos lobbys (económicos e financeiros) é verdadeiramente assustadora. A manutenção de um nível de confronto bélico suficiente para alimentar a indústria de armamento, faz com que este tipo de ‘franco-atiradores’ atirados para o exercício de altos cargos políticos sejam, de imediato, capturados por interesses e, na prática, liderados pelos ‘falcões’ do Pentágono (como foi notório na exibicionista ‘saraivada’ de mísseis lançados contra uma base aérea síria).

Em França Emmanuel Macron apresenta-se como sendo um candidato ‘nem de Esquerda, nem de Direita’, um emergente ‘político anti-sistema’, putativo contraponto de uma Extrema-direita em ascensão, mas não é capaz de explicar como assumirá as amplas funções governativas (executivas) e representativas atribuídas aos Presidentes, no contexto constitucional da V República, sem se vislumbrar qualquer apoio na representação parlamentar (presente ou futura). O ‘centro político’ que Macron pretende preencher e com isso arregimentar uma classe média fustigada, cansada e espoliada é, na verdade, o mais completo vazio.  Entre uma Extrema-direita caceteira representada pela FN de Marine Le Pen que não consegue esconder o intuito de estabelecer a ‘sua’ Lei e a ‘sua’ Ordem ao arrepio de conceções democráticas e o ‘arrivista’ Macron, subsidiário de um virtual e elitista pragmatismo (gestionário e vazio de ideologia), os resultados finais poderão não ser substancialmente diferentes. Isto é, ambas as ‘soluções’ conduzirão ao estilhaçar da democracia representativa.
Na realidade, cresce – no Mundo - a convicção que as eleições estão a transformar-se num penoso ritual, com total esvaziamento do seu conteúdo (nesse conteúdo os partidos políticos jogaram historicamente um papel fulcral) e, nos bastidores, está a impor-se na sombra uma ‘governação mundial’ cujos representantes são cooptados entre os grandes grupos económicos e financeiros, cujo exemplo paradigmático, será o Club Bilderberg.

Aliás, não é por mero acaso que o mais prominente conselheiro da Casa Branca tem um ‘exemplar’ percurso que começou na banca e acabou num site de notícias da Extrema-direita (Breitbart). Na realidade, os mais importantes e influentes grupos de comunicação social do Mundo têm assento no citado Club Bilderberg. Quem controla esse grupo continua a ser uma nebulosa questão link.
 
Deste modo, vamos tendo (direito a) uma informação filtrada (censurada) que está empenhada em divulgar uma pérfida ‘ilusão democrática’.
Quer as eleições francesas, quer o estado da União (europeia), têm sido equacionados e discutidos dentro destes estritos condicionalismos. É este o espectro que assistimos todos os dias nos órgãos de comunicação social (cá e pelo Mundo) protagonizado por comentadores orgânicos e especialistas de pacotilha.
Foi dentro deste diapasão que ouvimos repetir ad nauseam que o candidato da Esquerda (Mélenchon) é um perigoso esquerdista que até conta com o apoio do Partido Comunista Francês (como se, de facto, esse Partido na prática ainda existisse ou tivesse a mínima influência nos resultados eleitorais). Não estaremos longe do dia em que nos venham impingir a obrigatoriedade de acreditar no Pai Natal ou uma ‘reescrita’ história da carochinha…
 
Adenda: Escrito e publicado antes de serem conhecidos os resultados da 1ª. volta das eleições presidenciais francesas.

Comentários

Manuel Galvão disse…
"as eleições estão a transformar-se num penoso ritual". Na verdade já são um penoso ritual, pois os circuitos informais do poder têm hoje mais poder real que os circuitos formais (empossados pela democracia formal). Cá e lá, nos EUA.
Esta realidade é por muito mais perigosa nos países em que os detentores das armas coincidem com os detentores dos tais circuitos informais. É que o Poder (com letra maiúscula) está na ponta das armas.

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