A vinda do Papa e a tolerância de ponto


A tolerância de ponto decretada pelo Governo é um ato indigno de uma República laica. A separação das Igrejas e do Estado não é apenas uma conquista civilizacional, é a exigência do espírito e da letra da Constituição da República Portuguesa.

A vista do Chefe de Estado do Vaticano exige honras de Estado, mas o Papa fez questão de declarar-se mero peregrino. A sua visita é, pois, um assunto do foro religioso e, mesmo para alguns católicos, uma caução ao maior embuste do século XX, montado em Portugal contra a República, em 1917, aproveitado contra o comunismo, a partir de 1930, já durante a ditadura fascista e, depois da implosão da URSS, contra o ateísmo.

As alegadas visões de três pastorinhos analfabetos correspondem ao catecismo terrorista que ainda apavorava as crianças da década de 40 do século passado, com o Inferno em plena laboração e as almas a frigirem em azeite e em perpétuo sofrimento, com o Diabo a mergulhá-las com um garfo de 3 dentes até ao fundo do caldeirão.

A cedência vergonhosa à chantagem clerical é digna de um país do Terceiro Mundo, e inexplicável numa República laica e democrática.

O lamentável precedente abre caminho para as reivindicações de outras religiões, algumas de cariz fascista, a exigirem igualdade de tratamento, desarmando o Estado laico do seu poder de contenção de exigências ilegítimas.

A devoção chegou ao aparelho de Estado. Às maratonas pias que os crentes fazem pelos caminhos de Portugal, em direção à Cova da Iria, juntaram-se os edis, cuja fé se agrava em anos eleitorais, com excursões pias motorizadas e farnel pagos pelo erário público aos idosos dos lares da terceira idade.

O devoto Marcelo Rebelo de Sousa gravou um vídeo promocional de Fátima em que menciona a sua qualidade de PR e o Governo deu tolerância de ponto. Hoje, permite-se que não se trabalhe para assistir à procissão das velas, amanhã exigir-se-á que se reze o terço até que as pontas dos dedos doam.

Ai, meu Portugal dos 3 FFF, Fátima, Futebol e o Fado. Triste fado de quem acaba de rastos ou de joelhos!  

Comentários

acvmoz disse…
Caro Carlos Esperança,

Concordo em absoluto com o seu texto excepto na parte em que diz que essa atitude é "digna de um país do Terceiro Mundo". Sou cidadão de um país do Terceiro Mundo e infelizmente também vejo aqui os governantes esquecerem-se que a nossa Constituição diz que somos uma república laica. Quando o fazem, acho essa atitude indigna - envergonha-me. Apesar de sermos um país do Terceiro Mundo.

Álvaro Carmo Vaz
Ateu, Moçambicano

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