Europa de 1957 a 2017 e o ‘Arrivederci’ a Roma…

Seis décadas após a assinatura do Tratado de Roma a Europa encontra-se, mais uma vez, confrontada com desafios e novos problemas que, como é óbvio, os precursores (fundadores) da CEE não podiam, então, equacionar.
Este facto per si não reporta nada de surpreendente na dinâmica política económica e social dos povos. Na verdade, as mudanças são mais céleres porque a par dos parâmetros clássicos se introduziu um novo - a evolução tecnológica - que ‘acelerou’ o processo histórico nos últimos tempos.

Do liberalismo político nascido à sombra da Revolução Francesa que arrasou o feudalismo substituindo-o por uma burguesia ascendente e dominante na atividade económica em contraste com uma nobreza decadente, às recentes ‘conceções populistas’, uma longa trajetória do sistema capitalista contaminou, com diversos sobressaltos, o Continente europeu. Não é fácil discernir as etapas deste longo percurso capitalista mas existe, de facto, em todo este processo um fio condutor. Muito mais difícil para a perceção desta caminhada é continuarmos a observar os cidadãos europeus como uma massa informe, indiferenciada e anódina, isto é, fora um contexto histórico-filosófico e económico manobrável por burocratas a partir de Bruxelas.
 
A gigantesca tarefa do liberalismo tem sido, em traços largos, o exorcismo de um dos motores da História, como salientou Karl Marx um dos  'renegados' preferenciais da ideologia neoliberal, isto é, a luta de classes.
 
Hoje, a dominância não reside propriamente na burguesia (tradicional) mas foi sendo transferida para o sector financeiro – onde cresce e se afirma um novo ‘grupo social’ - constituído por administradores, CEO's, gestores, economistas e assessores que, não evidenciando publicamente o apetite de ‘assaltar o poder’, efetivamente o controlam através de uma ubíqua conceção mercantilista (subsidiária dos inefáveis mercados).
Não existe atividade económica por mais inovadora e tecnologicamente diferenciada que não tenha como ‘contraponto’ (parasitário) um alinhamento gestionário para tutelar e definir objetivos, meios e metas e, em última análise, fazer reverter uma substancial parte das mais-valias criadas pela força do trabalho, em seu benefício próprio (de grupo).
Esta situação tornou cada vez mais notória e imperiosa a necessidade de regular, diria mesmo de controlar, o poder financeiro e todos os braços tentaculares que utiliza, como sejam as diferentes etapas que conduzem ao desenvolvimento (e não só ao crescimento económico), e que dizem respeito ao investimento, ao financiamento, à inovação e à gestão dos recursos, nomeadamente, os humanos (regulados por códices laborais aviltantes).
 
Em Roma, no ano da graça de 2017, não se falou de regulação porque a questão regulatória, essencial para a afirmação política da Europa perante o ‘financeirismo’ emergente, é um assunto controverso e fraturante entre as (atuais) cúpulas dirigentes, embora esta questão seja relativamente consensual entre os cidadãos. Como, pelos mesmos motivos, não se abordou os mecanismos de redistribuição da riqueza e se ficou por genéricas declarações sobre exclusão social e se derramaram ‘lágrimas de crocodilo’ sobre a progressão da mancha de pobreza que as atuais políticas têm objectivamente potenciado.
 
A direção política e económica do presente ‘processo europeu’, centralizada em Berlim, está interessada em eternizar estes insuportáveis contra-sensos e ambiguidades até que o clima social se revele insuportável e a ‘tampa’ ameace saltar.
 
Nas celebrações dos 60 anos do Tratado de Roma passou-se ao lado do presente e evitou-se pensar o futuro. Quando lemos a declaração subscrita em Roma pelos 27 Países link, há poucos dias, fica a sensação que se optou pela fuga em frente, com olímpico desprezo pelo presente e uma alarve ignorância quanto às consequências futuras.
 
Muito sucintamente: existiram no presente século – embora a situação se arraste há mais tempo – duas situações relevantes que permanecem politicamente ativas: o ‘boom’ do neoliberalismo e o ‘renascimento’ de um ‘capitalismo selvagem’ que medrou à sombra de um progressivo ‘colapso’ da social-democracia ou, mais alargadamente, da Esquerda.
 
Pensar que se conseguem ultrapassar problemas com esta profundidade e com tão vastas consequências concentrando-se no ‘reforço’ da União Económica e Monetária, deixando de fora a política, é iludir o futuro.
Pior, tentar vender ‘uma Europa a várias velocidades’ como uma solução, não passa de uma grosseira mistificação quanto ao futuro quando é verdade que constitui uma grosseira perversão da essência da ‘determinação/vontade política’, patenteada pelos subscritores do Tratado em 1957.
 
A análise crítica do passado, com especial incidência nos tempos mais próximos, não pode ser contornada ou deturpada por declarações inconsequentes. Tornou-se inevitável e premente. Chegamos aqui por razões que têm, primeiro, de ser inteligíveis para depois serem corrigidas. Não há vontade política nem para uma coisa nem para a outra.
 
Até aos finais do século passado a Europa (dita ‘ocidental’) viveu a exaltação do ‘atlantismo’, uma reminiscência da II Guerra Mundial e claramente um subproduto arquitetado à volta do temor ao socialismo e ao comunismo, vendido aos europeus como sendo uma ameaça permanente capaz de destruir valores da civilização ocidental. Ninguém atribuiu relevância ao facto de a Europa não se confinar ao Atlântico e relegou-se para a exclusão a chamada Europa do Sul subsidiária da bacia Mediterrânica. Mais, ignorou-se o facto de que a Europa, sob qualquer prisma que seja observada, terá sempre uma ‘fronteira’ (geográfica, económica e política) a Leste.
 
Na realidade, foi o agitar dessa ‘ameaça vinda do Leste’ que, indiretamente, conduziu a Europa para o ciclo de prosperidade económica e os tempos do bem-estar social onde a Esquerda (socialista e social-democrata) desempenhou um papel de especial relevo. Destruídos estes equilíbrios, após a queda do muro de Berlim e a implosão da URSS, emerge um neoliberalismo ‘triturador’ que corrompe toda a herança europeia, nomeadamente com o ‘modelo económico e social’ e estão lançadas as sementes da divisão e discórdia.
Dessa insatisfação galopante nascem todos os tipos de populismos, com especial aproveitamento (político) da Direita ultraconservadora e nacionalista.
 
Esta análise simplista deveria estar presente na cabeça dos dirigentes europeus e condicionar as mudanças necessárias para garantir a sobrevivência da União.
 
Optou-se por mais do mesmo, com ligeiras e duvidosas nuances (como os vários ‘tempos’ de integração e de coesão) e mais não foi feito do que adiar de soluções sob o espectro de uma sempre eminente desagregação.
 
Enquanto os responsáveis pelo estado atual, sejam marionetas do neoliberalismo ou títeres de uma 'nova ordem mundial', aparecerem carregados de diktats a impor (sob a eufemística designação de ‘Pactos’) e não forem capazes de fazer a autocrítica, de se penitenciarem-se perante os cidadãos europeus, de renunciarem aos cargos que têm vindo a desempenhar, a Europa viverá sob o espectro da dissolução. 
 
O recente e exemplar caso protagonizado pelo senhor Jeroen Dijsselbloem é precisamente um dos sintomas que confirmam o deletério quadro da situação da União e evidencia à ultrance a cascata de erros na condução do processo de integração europeia.
Não precisávamos dele para compreender a evolução histórica mais recente da UE mas a sua expressão e publicação terá ajudado alguns ‘incautos’ a divisarem o verdadeiro (e lastimoso) ‘ Estado da União’.

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