Considerações sobre a eleição de Rui Rio…

Rui Rio venceu as eleições para a liderança do PSD. Este facto colocado a reboque da derrota de Pedro Santana Lopes deverá ter consequências que extravasam a luta partidária.

Os equilíbrios político-partidários que vigoraram até aqui – nomeadamente os derivados das últimas eleições legislativas e que ‘sustentaram’ a adoção de posições conjuntas da Esquerda – poderão ser submetidos, a breve trecho, a novos stress. No ato eleitoral ocorrido no PSD, do último sábado, poderão ter sucumbido algumas premissas que configuraram o quadro inter-relacional partidário do País.

A cantilena santanista que insistia na sigla “PPD/PSD” não colheu os louros necessários para se impor. O regresso ao espaço político original que esta sigla pretendia sugerir, é uma miragem que vem sendo destroçada (desmontada) há longo tempo. Provavelmente desde o golpe partidário do Congresso da Figueira da Foz (1985) onde emerge o ‘cavaquismo’ e se enterra veladamente o ‘sá-carneirismo’ .
Cavaco Silva começou por conspirar contra um dos resíduos fundacionais do PSD, corporizados pelo Governo de Pinto Balsemão, criando um novo ‘espaço’ (uma deriva) programática, ancorada no ‘thatcherismo’ e no ‘reaganismo’,  que tem sub-repticiamente perdurado e sido repetidamente ignorada em termos de debate ideológico no PSD. Na verdade o ‘popular’ de Sá Carneiro é uma antecâmara do neoliberalismo que nasce à sombra do fim dos ’30 anos gloriosos’ (ainda na esteira da OCDE) que a crise petrolífera dos anos 70 destroçou.
Tudo começou aí (no Congresso da Figueira da Foz) em termos de corruptela programática e partidária considerado o (transitório) projecto inicial do então PPD. Posteriormente, a estrada (para nos circunscrevermos ao trânsito pelo poder) foi percorrida por Durão Barroso, efemeramente por Pedro Santana Lopes e finalmente por Passos Coelho. Esta ‘caminhada’ trouxe uma ampla descaracterização (mutação) ideológica. O regresso às posições iniciais e fundacionais ‘sá-carneiristas’ será muito difícil, senão impossível, e, o debate público interno (partidário), tem contornado (evitado) esta situação e adiadas as necessárias clarificações.
Hoje, é comum o revisitar do referencial ‘sá-carneirista’ (Rui Rio invocou-o no discurso de vitória) mas, como todos sentem, os tempos são outros.

O PSD, nestas eleições para a sua futura liderança, decidiu libertar-se das ‘incomodidades’ ideológicas e programáticas que o assaltaram nos últimos anos (decénios), nomeadamente, pretende exorcizar a deriva neoliberal de Passos Coelho. Aliás, o PSD, ao longo da sua vida, tem sido pródigo no fechar de ciclos políticos e lesto a experimentar – sempre que pode – a ‘estratégia de Fénix’, i. e., o renascer das cinzas.

O ‘ciclo passista’ - para os militantes do PSD - necessitava de ser encerrado. Trata-se de uma circunstância histórica que não poderia ser prolongada e, no presente, em termos de estratégia política, lhe tolhia e condicionava o espaço partidário e a atividade política. O expurgo de Passos Coelho – e da sua clique - tornou-se, para o PSD, uma imperiosidade. As picardias entre os dois candidatos a líder à volta da liderança passada, mais não revelam do que essa (disfarçada) intenção de ‘limpar’ (branquear) o passado, embora tenham tentado dar alguma dignidade ao expurgo.

Todavia, o novo ciclo não se confina à limpeza do passado e é perfeitamente notório que nasce deste confronto partidário um outro ‘descentramento’ que pouco, ou nada, tem a ver com os conceitos clássicos e históricos da social- democracia. Trata-se da tão divulgada ‘inflexão social-liberal’ que será um dos campos de batalha ideológicos, remanescentes por essa Europa fora, assente nos escombros da agonizante (morta?) ideologia social-democrata.

Rui Rio será, por ventura, o homem do PSD melhor colocado e mais capacitado para o novo ciclo social-liberal. Trata-se de um meio-termo entre as conceções desacreditadas do neoliberalismo e uma moderna nuance (liberal) onde a par da defesa das liberdades individuais se contempla ‘outras liberdades positivas’ no domínio económico e social (educação, saúde e segurança social) e ainda se atribui funções residuais de intervenção (regulação) estatal (em áreas estratégicas).

Um largo sector do PS cabe nesta enviesada 'conceção socialista’, melhor dizendo 'social-liberal, nomeadamente, a corrente encabeçada por Francisco Assis, cuja dimensão e força é desconhecida por nunca ter enfrentado frontalmente a presente deriva socialista à Esquerda.

É muito difícil definir as dimensões do campo ‘social-liberal’ mas todos temos a noção que serão estas as balizas ideológicas para a conquista do chamado 'Centro político'. O neoliberalismo tornou-se muito pouco liberal e demasiado conservador daí a sua conotação com a Direita pura e dura que vai das fascizantes nuances populistas até as envergonhadas posições demo-cristãs. 

Ora, segundo alguns diktats da Ciência Política que são repetidamente enunciados, é nesse Centro que se ganham as eleições e se conquista o Poder.
O PSD deu ontem esse passo e – após naturais hesitações - apostou nesse caminho.
Falta saber qual o impacto que esta eleição no PSD terá na estratégia futura do PS. Mais, falta equacionar qual a influência que esta ‘mudança’ terá na atual solução de Governo, mais concretamente, nas posições conjuntas acordadas à Esquerda.

Acreditar que as eleições no PSD são (ou foram) um assunto interno partidário é um ledo e cego engano. Elas terão um reflexo transversal em todo o espectro partidário. A começar pelo CDS e, concomitantemente, envolvem toda a Esquerda política, a começar pelo PS que, a nível interno, tem feito coabitar, no seu seio, gritantes contradições.

O ‘exorcismo do Centrão’,  tão empolado nos recentes debates, só revela que esse ‘Centrão’ está bem vivo e a espreita da sua oportunidade.
Na verdade, o ‘Centrão’ não é um espaço político resultante de uma bissetriz entre a Esquerda e a Direita, expurgadas das suas versões mais radicais. O ‘Centrão’ não passa de uma placa de confluência de interesses (financeiros e empresariais) que o ‘financeirismo dominante' (na política e nos 'mercados') não deixará de impor na altura própria, como p. exemplo, está a fazer em relação aos 'resgates bancários', endossando-os para os cidadãos (contribuintes).
Na devida altura, o 'Centrão' será imposto. Cabe à Esquerda, retirar lições desta eleição (e de, por exemplo, da nova 'Grande Coligação' alemã) e precaver-se contra esta terrifica eventualidade que alberga o vírus da descaracterização política (onde pontificará o slogan de que a divisão (separação) entre Esquerda e Direita é um acidente do passado).

Comentários

E-Pá:

Quando vinha publicar um post, vi o título deste, que só li depois. Assim, programei para a meia-noite o que já tinha escrito.

Subscrevo no essencial a tua análise. A meu ver, apenas minimizaste a capacidade dos derrotados por Rui Rio.
e-pá! disse…
CE:

Os derrotados por Rui Rio - essencialmente a 'clique passista'- vão adaptar-se rapidamente aos novos tempos. O PSD sendo um partido divorciado de ideologias a adaptação é muito mais fácil. Não são habituais as querelas ideológicas na Rua de S. Caetano. O comportamento habitual no PSD é 'mutante' (como aliás refiro no post).
Haverá sempre uma reserva partidária para as eventualidades (não é boa tática em política destrunfar à cabeça...).
Também não é certo que os novos tempos de Oposição à sombra da nova liderança sejam um êxito. O timing é muito apertado (ano e meio) e não há espaço para erros.
Todavia, todos sabemos que essas 'reservas' estão acauteladas (Paulo Rangel e Luís Montenegro). De resto, todos aqueles que estiveram comprometidos com a liderança passista deverão ser indultados sob o manto diáfano da 'união'. Amanhã - o mais tardar - começarão as renúncias e subirá à cena o espetáculo exorcista à volta do passado recente. Depois, e finalmente, não existe motivação (quiçá força) para julgar quem quer que seja.

Estou convicto que Rui Rio vai ter facilidades para construir a sua equipa dirigente no PSD. O que se passou este fim-de-semana não foi propriamente a chegada do 'diabo'.
Até mesmo para os órgãos partidários mais autónomos, i. e., a bancada parlamentar do PSD ('construída' por PPC), não parece que seja este o momento para bloqueios.

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