Quo vadis, Europa?

Conserva o nome da bela princesa fenícia que num dos longos passeios com as amigas, foi raptada por Zeus que, do Olimpo, ignorando as flores que colhia, ofuscado por tanta beleza, a raptou, disfarçado de touro, e a levou para Creta, onde intensamente a amou.

Hoje, a península ocidental da Eurásia, ignorada dos deuses, não tem quem a ame. Não há quem a queira, já não digo o deus dos deuses, bastava um deus menor, que a cobrisse de carícias, embevecido pela História, no enlevo despertado pelo sortilégio do amor ao farol de esperança e reduto da civilização greco-romana que séculos de cultura moldaram.

Nos tempos que correm há apenas poderosos primatas desejosos de a violarem, dentro e fora do seu espaço, enquanto os povos que a integram se digladiam. O Renascimento, o Iluminismo e a Revolução Francesa são ignorados pelos brutos que tomam o poder. De longe, quais abutres, espreitam Trump, Putin e Xi Jinping, que não sabem o que é amar, só lhes interessam os negócios.

Na velha Europa, as ilhas britânicas estavam ligadas aos mesmos valores pelo Canal da Mancha, hoje querem colocar uma fronteira no túnel que as separa. Na Itália e Áustria acordaram os demónios adormecidos durante um século e a extrema-direita já participa coligada nos governos, e é ainda pior na Polónia, Hungria, Chéquia e Eslováquia onde os partidos abertamente fascistas já são governo.

No ano que ora termina é com amargura e ansiedade que se aguardam os atos eleitorais do ano que aí vem. Nunca foi tão fácil para os denagogos chegarem ao poder pela via democrática. Na Turquia Erdogan recebeu o apoio eleitoral para destruir a laicidade e as liberdades, para prender jornalistas, professores e todos os livres-pensadores, e Trump já lhe deu luz verde para continuar o genocídio dos curdos ao abandonar a Síria.

O novo ano começa com uma metáfora cruel dos tempos que se avizinham. Bolsonaro toma posse no Brasil.

A Europa, abandonada pelos deuses, esquecida do passado, arrisca-se a não ter futuro.

Comentários

joao pedro disse…

O Carlos comete o pecado de esquecer que há uma parte da Europa, que vai até aos Urais, que na esteira do Renascimento, do Iluminismo, da Revolução Francesa, por si exaltados - e bem - ofereceu ao Mundo o maior acontecimento do Século XX e, porventura, do 2º Milénio. Esqueceu-se que Leninegrado também é aquela Europa…
Talvez por isso demonize Putin. Assim, Carlos, não há esperança para os que assim pensam...

João Pedro (JPedro1917@gmail.com)

Ps: Bom ano.
Cristina Matos:

Não me esqueci da Europa até aos Urais de que falava De Gaulle e que os geógrafos acolhem. Aliás, a Rússia europeia tem mais de Europa do que os EUA.

A Europa é e será «Hoje, [e sempre] a península ocidental da Eurásia, mas cada vez mais irrelevante. Não é o espaço físico que está em causa, é a herança civilizacional, em que ambos nos revemos, que está ameaçada.

Boa Ano.
e-pá! disse…
A Europa - seja ela a geográfica, a política e/ou a cultural - encontra-se 'ensanduichada' entre um Ocidente mais a ocidente (o 'novo Mundo') e o Oriente extremo (para além do próximo e do médio) e asfixia.
Falta espaço político para se afirmar e os louros do civilização greco-romana já murcharam.
Entre um Ocidente ameaçado na sua hegemonia (política e económica) e um Oriente em levantamento (a despertar, a crescer) - para usar um 'expressão passiana' - venha o diabo e escolha.
Na realidade, estamos a assistir ao fim de mais um 'Império'. Grande parte dos problemas estão associados a esse facto, isto é, todos sabemos, pela História (universal), que o fim dos Impérios é, sempre, convulsivo.

O problema é que, nos tempos recentes (na contemporaneidade), a Europa não foi capaz de se tornar uma charneira ativa, autónoma e decisiva para o Mundo em convulsiva ebulição que se avizinha (e adivinha), nem conseguiu adotar uma via própria que o trajeto político e histórico lhe proporcionava e rejeitou. Preferiu alinhar-se, ou melhor, 'aninhar-se'.
Neste momento, a Europa está condenada a cair com o fim da hegemonia americana que se antevê. E essa queda será sempre traumática.
Convinha recordar uma asserção de Franklin Roosevelt (o presidente americano da II Guerra Mundial): "Nossa história será determinada mais por nossa posição sobre o Pacífico frente à China do que sobre o Atlântico frente à Europa".
Definitivamente perdemos a batalha do Pacífico (no sentido geográfico, económico e no da conciliação de interesses político-militares).

Deplorável - essencialmente para a Europa - é que as linhas mestras da atual política, dita ocidental, seja, ainda, uma cega 'aliança atlantista', incapaz de perscrutar o futuro (tão próximo) e as mudanças (tão evidentes).

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