Lagos – 10 de junho_2025
A Pátria, em dívida com benfeitores e filantropos ávidos de veneras, cachaços à espera do aconchego do colar, peitos insuflados para aguentarem o impacto da medalha, foi a Lagos afagá-los em cerimónia vigiada.
Os agraciados são numerosos, mas há outros a quem nunca a venera baterá no peito, sem títulos académicos, militares ou eclesiásticos, simples Pereiras, Silvas ou Oliveiras, sem dinheiro para brasão na casa ou laço de banda de qualquer colar, para a lapela.
É divertido ver o ar dos agraciados e a forma eficiente como os embrulham, com mais esmero do que nas ourivesarias atam as caixinhas das alianças, e dói a manutenção da coreografia, até a soturna evocação, morte de Camões, de quem devia celebrar-se a vida dada a incerteza da data e local de nascimento.
O 10 de Junho, cuja simbologia Jorge Sampaio resgatou, há vinte anos que remete para o passado sombrio da ditadura, com gente de negro, pais a receberem medalhas dos filhos, mulheres de maridos mortos e crianças amestradas, junto de Américo Tomás, para lhes ensinarem que deviam estar gratas pela orfandade que as atingira.
A liturgia regressou ao Portugal de Abril, com um presidente eleito a repetir gestos de antigamente, num palanque onde sobem atentos e veneradores os agraciados, com ar de quem vai cumprimentar os familiares do morto.
Está anunciada a outorga de uma venera ao general Ramalho Eanes pelo Comandante Supremo que não foi à tropa, talvez para pedir perdão de o ter combatido na candidatura a PR, ao lado, como sempre, dos piores, para apoiar o general que tinha dirigido um lúgubre presídio, o Campo de S. Nicolau em Angola.
Não simpatizo com o dia, apesar do amor ao poeta e aos dez cantos d’Os Lusíadas. Não vejo televisão nem oiço rádio. Recuso-me a ver cerimónias do passado em playback.
Prefiro esquecer o épico cosmopolita de que a ditadura se apropriou para a exaltação da suposta raça, ideia de panegiristas de má raça que adularam Salazar. Nem o discurso de Lídia Jorge, cujo mérito é indiscutível, redime a cerimónia lúgubre.
Vou ler o poeta lírico.
Sôbolos rios que vão
por Babilónia, me achei,
Onde sentado chorei
as lembranças de Sião
e quanto nela passei.
Ali, o rio corrente
de meus olhos foi manado,
e, tudo bem comparado,
Babilónia ao mal presente,
Sião ao tempo passado.
Comentários
" 10 de Junho – Dia de… "
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ANTOLOGIA _ A1( XXI - Morte: 1579 ou 1580?) - LUÍS DE CAMÕES - Fabuloso * Verdadeiro. 1950. Ensaio. «DE GOA À POPULARIDADE» {c. XII de XV} * [ vol. II ]
https://alcancaquemnaocansa.blogs.sapo.pt/