Porqué no te callas? Ou, El-Rey Pasmado.
Na cimeira ibero-latinoamericana causou celeuma o "porque é que não te calas" dirigido por Juan Carlos, rei de Espanha a Hugo Chávez, Presidente da Venezuela, a pretexto de este último ter vituperado José Maria Aznar, ex-primeiro ministro de Espanha de má memória com o cognome de fascista.
Este facto risível tem sido tratado de forma patentemente capciosa pelos mídia ocidentais, na medida em que estes tendem a fazer a apologia de el-rei pasmado em defesa galante de um seu compatriota.
Ora, o sucedido merece reflexão mais atenciosa. Por muito soez que fosse a ofensa ao compatriota (quiçá eventualmente mitigada pelo passado duvidoso da personagem Aznar no período pré-transição, em que esteve envolvido em movimentos sociais pró-falangistas, pela sua sanha persecutória de todos aqueles na Espanha coeva que não se revêem no modelo espanholista abundante e teimosamente procurado por Aznar- o epíteto de fascista é-lhe sobejamente proporcionado por Bascos, Catalães e outros demónios- e por muitos daqueles que se opuseram à sua colocação pro-bellum no caso do Iraque e da dupla farsa do "Prestige" e da atribuição à ETA dos atentados do 11 de Março, sem ainda falar do alegado apoio de Aznar aos partidos políticos venezuelanos que deram o golpe de estado que tentou destronar Chávez), tal nunca justificaria uma resposta tão acintosa como aquela que inspirou o monarca do país vizinho.
Isto porque um dignitário máximo de um país nunca deve baixar o nível abaixo do registo diplomático, em homenagem ao seu papel de alto representante de uma nação. O que é ainda agravado por se tratar de uma antiga colónia, e manifestar uma tradicional postura paternalista tendente a perpetuar um estado de menoridade das ex-colónias, que de si não sabem tratar sem a eterna e sábia vigilância da pretérita nação colonizadora.
E finalmente, porque Juán Carlos não foi eleito democraticamente pelo seu povo, ao contrário de Chávez. Para o bem ou para o mal.
Comentários
Subscrevo.
A indelicadeza de Chavez não justifica a dos restantes, especialmente quando se arrogam de ter uma formação diplomática moderna, europeia, superior, etc.
De resto, quem quiser pode ouvir na internet as intervenções na cúpula de Chávez e de outros que antecederam esta confrontação e perceber que o tom não é de afrontamento, é de livre expressão e nada ofensivo aos participantes.
Há uma certa imprensa e até o peregrino Vasco Pulido Valente (que li hoje entre bocejos) que misturam o «porque não te calas» com a paródia que o Chávez faz ao chamar Lula de magnata do petróleo. Quem não ouviu o discurso do Chávez fica a pensar que ele foi lá com a intenção de partir a loiça toda quando na verdade foi a atitude do Rei que destoou numa cúpula que até estava amena embora desta vez com vozes incómodas para os apologistas do neoliberalismo.
Se é verdade que a monarquia saiu reforçada no país vizinho, também a imagem de Chávez se vê reforçada em toda a américa latina, onde ainda há muito rancor pelo violento colonialismo de Espanha.
Entre um epíteto pouco polido (?) de um plebeu eleito e uma atitude grosseira de um "aristocrata" herdeiro, não tenho dúvidas na escolha.
O argumento de ser eleito não pode servir de desculpa para tudo. Chavez teve uma greve geral de quanto tempo?
Diogo
Quem estava no uso da palavra era Daniel Ortega. No momemto, diga-se em abono da verdade, acusava a Espanha, ou melhor uma empresa espanhola, de prepotências na Nicarágua.
Se Juan Carlos devia estar calado, Hugo Chavez também. Ambos deviam estar, respeitosamente, a ouvir Ortega, no uso da palavra, dado por quem dirigia (ao que parece mal) a reunião.
Não é assim que se trabalha num plenário colectivo?
Os participantes (seja um rei indigitado e constitucionalmente plebiscitado ou um carismático dirigente eleito) podem interromper ou perturbar, quando lhe apetece, ou lhe der na "real" gana?
Alimentar a questão do "Porqué no te callas" é tentar perpetuar uma tempestade num copo de água.
Não me parece que seja por aí que se introduz, com pertinência e oportunidade, a adiada (mas indispensável) discussão da questão republicana em Espanha.
Mas os portugueses é que estão há 30 anos à espera de Espanha ser uma república, não os espanhóis.
Creio que é na questão de regime que temos convicções diferentes.
De facto, o rei de Espanha tornou-se popular porque se opôs ao golpe de Estado de Tejero Molina, mas não se esqueça de que foi um sanguinário ditador que o indigitou como rei.
Quanto aos sentimentos republicanos de Espanha eles virão à tona quando o gesto democrático de Juan Carlos perante a intentona for esquecido.
Estou consigo no amor à liberdade e à democracia, mais importantes do que as questões de regime.
Questões como liberdade e democracia, penso que estejamos mesmo de acordo.
Juan Carlos pode ter sido nomeado por Franco, mas talvez tenha sido esse facto que fez com que Espanha se tornasse uma democracia em seis meses, enquanto que Portugal não sabia bem que rumo tomar.
Apesar de abominar ditaduras, especialmente as de direita, um corte radical com o passado não faz bem a nenhum país. A minha leitura é que Espanha soube dar a volta por cima, sem traumas, qual país maturo; Portugal esteve longe de o conseguir.
Neste caso os países ibéricos distanciaram-se como nunca.
Diogo.
A "volta por cima" do pós-franquismo é um artifício político, importante, na medida em que já arquitectou - pelo menos - 30 anos de alguma (relativa)"pacificação".
O histórico espanhol é uma I República, esporádica e efémera que resulta de uma abdicação e é transformada numa contenda entre unionistas e separatistas que conduz à re-implantação da Monarquia.
A II República é completamente diferente. Resulta da destituição de Alfonso XIII (1931) - que não aceita abdicar - da sua fuga e exílio em Paris e em Roma, e posteriormente, entre governos do centro-esquerda e direita, surge a Frente Popular. Em 1936, começa a guerra Civil Espanhola...
Esta curta síntese, não foi ultrapassada por aquilo que chama a "volta por cima" dada no fim do franquismo. Foi, quando muito, iludida.
Aliás, o que para nós é uma curta sintese ou uma curta estória é um grande historial para os povos residentes em Espanha (bascos, galegos, catalães, andaluzes, etc.).
E não interessará aos "espanhóis" negar o passado, violentar a memória ou assentar o futuro em enganos, ilusões ou esquecimentos. Um dia, qualquer dia, quando houver condições "isto", tudo "isto", será discutido - esperemos que civilizadamente discutido.
E, para já, a República e a Monarquia, em Espanha, é uma questão - vamos chamar-lhe - "não totalmente resolvida" (apesar do texto constitucional).
E, nós, portugueses, não devemos adiantar mais nada!
A "volta por cima" traduz-se numa eficácia de objectivos e de políticas para ultrapassar de forma inteligente uma ditadura. Apenas isso.
A medida fora, deveras estranha, para os povos latinos do sul, habituados à Revolução, andando sempre em clima de guerrilha e funcionando péssimamente. Neste caso Espanha fora e tem sido diferente dos demais países do sul. Só revejo este tipo de comportamento numa outra Europa e a isso tiro o chapéu por não ser como os seus vizinhos.
Países que andam sempre em revoluções e guerrilhas falam mal do regime anterior e, no geral, de toda a sua história. Fazem disso a legitimação do seu poder, ao invés de ser a construção da sociedade e do país a bandeira.
No que toca às populações das regiões autónomas, o regionalismo é enorme, mas também não o é na Grã-Bretanha e na Bélgica? Espanha é uma realidade política desde o século XVI, e por ela passou também duas Repúblicas, que a podiam ter desagregado, especialmente a segunda.
A questão República-Monarquia em Espanha (ou em qq outro lugar) nunca está resolvida para quem não concorda muito com a mesma lol
Diogo.
A República em Espanha não foi abolida.
Foi substituída por um caudilho que, incapaz de erguer um regime, resolveu fazer-se suceder por um homem da nobreza espanhola que, meticulosamente, escolheu.
A restauração da Monarquia implicaria que o sucessor fosse o herdeiro dinástico da Casa de Borbon - D. Juan, conde de Barcelona (pai do actual rei).
Franco nunca tolerou o conde de Barcelona que viveu largos anos exilado, muitos deles em Portugal.
É preciso que se relembre que o Conde só abdicou dos seus direitos sucessórios, após a morte de Franco.
Portanto, Diogo, uma questão "não-resolvida" pelo Povo, mas engendrada por Paco...
A questão vai continuar "não-resolvida" exactamente pelos motivos que aponta:
transição pacífica para a democracia, o desenvolvimento económico e social de Espanha e um respeitado e influente lugar na Europa.
Nada disso se deve a Franco ou à Falange.
Foram as forças políticas que nasceram, como cogumelos, depois do franquismo.
De entre elas, não pode ser esquecido o papel do PSOE, com Filipe Gonzales na liderança, que prestigiou Espanha perante o Mundo.
Todavia, permanece em Espanha um grave problema que é o das diferentes nacionalidades.
Aí o rei poderá ter jogado um papael importante. Todavia há novos sinais. A direita e extrema-Direita espanhola acusa o rei de traição por ter promulgado o Estatuto de Autonomia da Catalunha.
Este novo dado é importante para situar o "lugar" da Casa de Borbon, na Espanha plurinacional.
Estejamos atentos...