É preciso topete
Já imaginaram os monárquicos a preparar o centenário da República e os vegetarianos a integrarem-se na festa do leitão à Bairrada? Já pensaram no rei de Espanha a preparar-se para visitar Portugal e associar-se às comemorações da batalha de Aljubarrota?
Era como se Angola, Moçambique e Guiné mandassem os seus presidentes a exaltar os soldados portugueses mortos na guerra colonial e a condecorar os órfãos e as viúvas dos militares que os combateram, num qualquer dia 10 de Junho de triste memória.
Por mais humor negro que alguém tenha não pensa que os japoneses prepararem as comemorações do ataque à base de Pearl Harbor ou os alemães comemorem a invasão da Polónia. Como jamais os americanos se atreverão, no futuro, a comemorar a decisão que Bush tomou de invadir o Iraque.
Mas o impensável acontece. Os bispos portugueses querem estar presentes na celebração do centenário da implantação da República, eventualmente com uma missa de Acção de Graças.
Ninguém acredita, conhecida a união de facto entre o trono e o altar, que os bispos vão celebrar as leis do divórcio, da separação da Igreja e do Estado e a do registo civil obrigatório. Nem sequer para manifestarem arrependimento do ódio e do ressentimento que tinham à República e do apoio que deram ao seu derrube no 28 de Maio e à cumplicidade com a ditadura salazarista.
Para meditação dos leitores ficam aqui as Palavras do Presidente da CEP na abertura da Assembleia Plenária, em Roma: [Com o aproximar da celebração do centenário da implantação da República, D. Jorge Ortiga, Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), disse que «devemos estar presentes para que a interpretação dos acontecimentos seja exacta»].
Era como se Angola, Moçambique e Guiné mandassem os seus presidentes a exaltar os soldados portugueses mortos na guerra colonial e a condecorar os órfãos e as viúvas dos militares que os combateram, num qualquer dia 10 de Junho de triste memória.
Por mais humor negro que alguém tenha não pensa que os japoneses prepararem as comemorações do ataque à base de Pearl Harbor ou os alemães comemorem a invasão da Polónia. Como jamais os americanos se atreverão, no futuro, a comemorar a decisão que Bush tomou de invadir o Iraque.
Mas o impensável acontece. Os bispos portugueses querem estar presentes na celebração do centenário da implantação da República, eventualmente com uma missa de Acção de Graças.
Ninguém acredita, conhecida a união de facto entre o trono e o altar, que os bispos vão celebrar as leis do divórcio, da separação da Igreja e do Estado e a do registo civil obrigatório. Nem sequer para manifestarem arrependimento do ódio e do ressentimento que tinham à República e do apoio que deram ao seu derrube no 28 de Maio e à cumplicidade com a ditadura salazarista.
Para meditação dos leitores ficam aqui as Palavras do Presidente da CEP na abertura da Assembleia Plenária, em Roma: [Com o aproximar da celebração do centenário da implantação da República, D. Jorge Ortiga, Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), disse que «devemos estar presentes para que a interpretação dos acontecimentos seja exacta»].
Comentários
Permita-me dizer-lhe que o receio é outro e a pretensão, além de inaceitável, malévola!
A Igreja quer estar presente porque ainda não "esconjurou" os espantalhos do passado.
Tem vivido "assustada" com a defesa da laicidade do Estado. Mas, o que, na realidade, teme é o anticlericalismo. A exemplo dos tempos da I República.
Para quem deseja a "interpretação exacta dos acontecimentos" é pouco auspicioso. Estes infundados receios que só mostram a intenção de distorcer a História.
A Igreja quer estar lá (nas comemorações) porque pretende armar-se em vítima do anticlericalismo republicano - que aliás já tinha começado na Monarquia - e vai tentar confundir os conceitos - laicidade e anticlericalismo.
Ou, então, pode inclusivé ter o desplante de lançar um pedido de ressarcimento.
Só um problema. A Igreja na sua imutabilidade e conservadorismo ainda não se apercebeu que deixou de "ditar" a História. Os povos encarregam-se de a fazer, criticar e mudar.
Não precisamos da Igreja para nos debruçarmos criticamente sobre o anticlericalismo da I República.
Não precisamos da Igreja para comemorar a República. Uma das bandeiras da República foi a laicidade. Não a profanemos (para usar uma linguagem clerical).
A república deve ser capaz de integrar todos e todas as religiões no seu seio, sob pena de se tornar ela própria uma religião contra todas as outras. E parece que foi isso que sucedeu a partir de 1910, com as péssimas consequências de 1926.
Logo, parece-me que seria mais construtivo procurar uma plataforma de reconciliação.
A Igreja não pode queixar-se. Deve é revisitar a História.
Foi, com certeza, a Instituição que, ao longo da sua milenar existencia, mais expoliou o Mundo.
Só o Iluminismo é que lhe pôs (algum) travão!
Não me passaria pela cabeça que a PIDE se associasse às comemorações do 25 de Abril.
E não me sinto votado ao ostracismo por não ser convidado para as procissões ou para a canonização de Nuno Álvares Pereira.
A cada um as suas datas.
Talvez no dia em que a península se emancipe definitivamente dos grilhões apostólicos.
Seria bem pior e para mim pessoalmente era triste se a igreja preferisse ficar ausente das comemoraçoes pois nem os clérigos promovem a restauraçao real como também fazem parte da sociedade portuguesa.
Compreendo a sua argumentação mas eu parto do princípio que num Estado laico a Igreja (qualquer Igreja) não deve ter representação oficial.
E não é a Igreja que diz que quer estar presente nas comemorações, tal como não é o Estado que pode dizer que quer estar presente na reunião da Conferência Episcopal.
A teocracia caíu aí, mas parece persistir na Conferência Episcopal Portuguesa
A Monarquia Constitucional nasceu aí, mas rapidamente deslizou para a ditadura e o parasitismo nobiliário do Estado, pejado de desvios de fundos, esbanjamentos, etc.
A República Portuguesa destronou a Monarquia em 1910, com toda a legitimidade popular.
A Igreja tentou sobreviver a todos estes acontecimentos.
O espantoso é que queira participar nas comemorações oficiais dos 100 anos da República que, definitivamente, instaurou o laicidade do Estado, separando-a do pecaminoso concubinato com o Poder que alimentava há séculos.
Somos, ao que parece, um País maioritariamente cristão. Mas este argumento deve levar o clero a debater a mplantação da Republica, à sua maneira, na sua visão, nos espaços religiosos.
Por a República deve comemorar os seus 100 anos na rua. Onde o espaço é de todos.
Esta prévia marcação de lugar pela Igreja nas comemorações públicas, civilistas, das três, uma:
- ou, pretende boicotar as comemorações;
- ou, virou-se para práticas masoquistas;
- ou, não tem nada a comemorar.
Agora, a ICAR não pode ter a pretensão de explicar aos portugueses a "interpretação dos acontecimentos".
Até porque a laicidade do Estado é a garantia do respeito por todas as crenças. E também a barreira que impedirá a supremacia de qualquer uma sobre as outras, por maior representatividade que tenha, ou pretenda ter.
Nos 100 anos da República comemoramos que ao longo do tempo e à custa de aprender com os erros cometidos que o actual Estado está em condições de assegurar a paz religiosa e, como é seu objectivo natural, a paz civil.
A laicidade não se vê pelo cargo de chefe de Estado, vê-se na construção da sociedade. Há países muito mais laicos do que Portugal, e não são repúblicas.
Em relação à Igreja, será apenas estratégia de sobrevivência. Se não se der bem com o regime actual, com qual se daria?
Diogo.
Pessoalmente - é apenas a minha opinião -, penso que as Igrejas (todas) são instrumentos para a conquista do poder. A monarquia dá-lhes mais estabilidade. O carácter vitalício do rei ou raínha permite-lhes manter a participação nos acontecimentos mediáticos até ao régio funeral.
Numa república não tinha que manter as aparências anglicanas.
As suas observações são, como é hábito, pertinentes mas repare que a Inglaterra, por exemplo, teve um primeiro-ministro católico, Tony Blair, mas que aguardou a saída do Governo para se afirmar como tal.
Creio que a cerimónia publicitária está para breve.
Como vê, neste caso, a laicidade não se verificou pois, doutro modo, poderia ser católico sem qualquer problema.
De facto, num regime monárquico, teoricamente a religão teria sempre mais visibilidade que numa república, mas tudo depende da sociedade em que se vive e do seu grau de maturidade intelectual. Penso que os países nórdicos ainda tenham uma religão oficial (algo a que serei contra, por princípio), mas que a sua influência e praticantes são de uma percentagem residual.
Em muitos lados ainda, a laicidade factual é algo difícil de conquistar. A total independência de um político (por exemplo) como pessoa independente que não o deixa de ser, em relação ao que é tido como o normal numa sociedade é sempre algo delicado. Penso que não o deveria ser, obviamente.