Cavaco Silva e a lei do divórcio
No local onde a irmã Lúcia passava tardes a pastorear cabras e à conversa com a Virgem, onde o Sol andou às cambalhotas e um anjo aterrou, Cavaco pareceu o líder da oposição de direita.
O local é adequado para o recolhimento, a oração, as flexões e as reflexões pias, sobretudo no que diz respeito ao divórcio, mas não é o sítio adequado a comícios profanos.
Foi, por isso, com surpresa que ouvi o PR, não a verberar as fugas de informação de um processo judicial mas a fragilizar o Governo quando este se encontra perante uma campanha que visa denegri-lo, sem o derrubar, para colocar no poder uma oposição sem programa, sem ideias e sem vergonha.
Não sei que estudos suportam a suspeita de que a nova lei do divórcio esteja na origem de novos pobres mas a crítica reiterada a outro órgão da soberania afigura-se um acto de quem, em vez de zelar pelo normal funcionamento das instituições, está a pôr em causa essa normalidade. Criticando a AR, atinge o Governo e revela o azedume que a casa da democracia lhe provocou.
O PR tem poderes para dissolver livremente a Assembleia da República e, se o fizer, estará só a usar os direitos que pode exercer, mas é ele que, aparentemente, quer condicionar o Governo e a AR, atacando a última.
Que raio de solidariedade institucional é essa de querer disciplinar outros órgãos cuja legitimidade é igual à sua?
Só um notável sentido de Estado, a enorme dedicação à causa pública e a noção dos riscos para o País pode levar o primeiro-ministro a manter-se no cargo perante a falta de solidariedade que o PR mostra, mais preocupado com a salvação da alma do que com a situação do País.
Cavaco Silva vetou a lei do divórcio como era seu direito e promulgou-a como era seu dever. Perdeu. Ponto final. Não pode andar a alimentar o ressentimento próprio do português médio que não se conforma com as decisões legítimas de que discorda.
Cavaco é o Bush português. Esperemos que por menos tempo.
Não é culpa dos portugueses se não conseguir acabar o mandato com dignidade.
Comentários
Por onde teria andado o Sr. PR a documentar-se sobre a tal inequívoca relação entre o divórcio e a pobreza?
Ou cogitou da sua própria cabeça?
Nem precisamos de nos socorrer da FAO, UNICEF, OMS, ..., basta ir ao INE (publicação de 2007 - ainda o PR não tinha promulgado, contrariado, a terrível Lei do Divórcio)
Onde se lê :
"A pobreza tem de deixar de ser assumida com uma inevitabilidade para 2.000.000 de portugueses", isto é, por um terço da população nacional produtiva, entre os 16 e os 64 anos!
E, mais adiante (no mesmo estudo do INE publicado por ocasião do Dia internacional de Erradicação da Pobreza - a existência deste "Dia" é de uma iniquidade dramática e humilhante para a Humanidade)
"Se se tomasse em consideração apenas os rendimentos de trabalho, de capital e transferências privadas 41 % da população residente em Portugal estaria em risco de pobreza em 2005. Os rendimentos, recebidos a título de pensões de reforma e sobrevivência resultam num decréscimo de 15 pontos percentuais na percentagem de indivíduos em risco de pobreza, observando-se uma taxa de risco de pobreza após pensões e antes de transferências sociais, de 26%.
Durante a minha vida, já ouvi e li muito sobre a pobreza!
Vozes ou palavras efectivas contra o actual estado de coisas, por parte de agências especializadas das Nações Unidas, como a UNICEF, a FAO, a OMS, ou os mais diversos Alto-Comissariados, à frente de um dos quais, o dos Refugiados, em que António Guterres, nosso conhecido, se esforça para adquirir fundos e meios para pôr cobro a desumanas condições - diria até infra-humanas - de vida (de que a pobreza é só uma das componentes).
Mas a relação entre a pobreza e o divórcio, escapou-me.
Pode ser uma boa tese de doutoramento de um PR na Universidade de Navarra...
Cavaco Silva é um economista, foi assessor do BdP, Ministro das Finaças, Primeiro Ministro e até foi professor de Economia.
Qualquer português esperaria que alertasse o País para endividamento das pessoas, estimuladas por um desenfreado consumismo, aliciadas pelos bancos e instituições financeiras que, auferindo majestáticos lucros, sob a ganância desenfreada dos seus gestores, atiraram o Mundo para a maior crise económica e social.
Esta manobra financeira teve - muito mais que os inevitaveis divórcios - como consequência económica um profundo e súbito empobrecimento de largos sectores da população e, socialmente, a inevitavél dizimação da classe média.
São oriundos de Wall Street, os "novos pobres" e vão crescer como cogumelos, alimentando, também, "novas estatísticas".
Cavaco devia sabre que a pobreza não é uma herança.
Ou que a miséria começa quando empobrecemos, ou destruímos, a esperança.
O Senhor Presidente da República deve conhecer (espero que continue a dominar sobre Teoria Económica) que tudo se passa como se a distribuição da riqueza mundial, profundamente assimétrica e, portanto, profundamente injusta, não passasse de uma desgraçada fatalidade.
Senhor Presidente:
Não pode haver duas caras.
Uma sorridente quando se é convidado para a abertura de uma sessão do NASDAQ em NY, outra contristada, reflexiva sobre aberrações economico-sociológicas, no solo de Fátima, zurzindo contra o mundo profano que, como dizem e aplaudem os católicos, se atreveu a dissolveu o que deus uniu...
Este o seu problema: mistura Economia, Sociologia, Política, Educação e Religião e deste "caldo" extraí rudes insolências politico-económicas e intoleráveis presunções e sobrançarias.
E, finalmente, prevarica ao ir para Fátima exorcizar publicamente o divórcio - consciente ou inconscientemente, já não sei - já que a defesa da separação de Poderes do Estado, depois de derimido o assunto nas sedes próprias, o obrigava a manter-se recatado e silencioso.
Quando desejar ir a Fátima (pretensão legítima) é mais crucial falar dos pastorinhos e de milagres (económicos - estavamos a precisar!).
Portanto, a pobreza galopante que cada vez mais assola o País não nasce na Assembleia da República e das suas Leis.
Cresce à sombra das más políticas económicas e sociais
dos Governos (quem falou em "má moeda"?), da obstrução e falta de apoio a novas oportunidades económicas e é subsidiária do desenvolvimento.
Disse desenvolvimento e não casamento!
Por outro lado, como é referido por um dos autores do diploma designado por "Lei do Divórcio", esta Lei - procura combater as situações mais difíceis, as de pobreza, dos mais frágeis, fracos, ou seja, das mulheres e crianças.
Graves, mas ocultas, situações de pobreza, em Portugal, atingem os idosos que, muitas vezes, na posse frugais (míseras) reformas, têm de optar entre comer e pagar o consumo de medicamentos... Uma escolha difícil.
Senhor Presidente:
Estes "vellhos pobres", deverão atribuir a sua miserável condição, por exemplo, à viuvez, já que muitos e muitas vivem sozinhos e abandonados?
Ou os "novos pobres" estão a nascer de uma terrífica sucessão de falências e de um descontrolado desemprego?
Um Presidente que confunde (sem qualquer evidência científica) o acessório - isto é o divórcio, com o essencial - o empobrecimento de largos sectores populares, suscitará, com certeza - por essas cidades e esses campos - uma piedosa expressão popular:
"miserere nobis!".
Essa do Bush português é forte, e verdadeira.
O grave não é o facto do Sr. Presidente nada perceber de Economia, pois até foi professor. O grave, mesmo grave , é o Sr. Presidente não saber cantar a cantiga da Ti Anica de Loulé.
Isso é que é mesmo grave.
Pela parte que me cabe, tudo farei para que acabe o mandato com dignidade e se retire.
Reagindo a estas declarações, o professor de Direito Guilherme Oliveira salientou à Agência Lusa que «o tempo se encarregará de provar que esta lei [Lei do Divórcio] é mais protectora, permite uma saída mais digna quando o casamento se rompe, impede a ausência total dos pais e protege os mais frágeis».
Segundo o docente da Universidade de Coimbra, o diploma «procura combater as situações mais difíceis, as de pobreza, dos mais frágeis, fracos», ou seja, das mulheres e crianças.
«Punir mais precocemente»
A seu ver, a nova legislação permite «punir mais precocemente» os pais que não cumprem a obrigação do pagamento das pensões de alimentos dos filhos.
«É bom para as crianças, é bom para reduzir as situações de pobreza», defendeu Guilherme Oliveira.
Por outro lado, advogou, a Lei do Divórcio prevê que as mulheres «obtenham uma compensação económica por causa de sacrifícios excessivos durante o casamento».
O Presidente da República reafirmou esta sexta-feira que as leis muitas vezes partem de «uma realidade que não tem em conta o País», sublinhando, neste contexto, que «a nova Lei do Divórcio é bem o exemplo dessa incompreensão».
«Não tenho a mesma ideia, não conheço os estudos em que o Presidente da República se fundamenta», frisou Guilherme Oliveira, insistindo que o diploma «admite soluções justas».