O debate



Ontem, o País assistiu ao debate televisivo entre os 2 candidatos à governação do País: José Sócrates e Pedro Passos Coelho.
Grande parte do tempo dispendido foi “gasto” na procura de responsabilidades pela actual crise política, económica, financeira e social, em detrimento de perspectivas para o futuro.

José Sócrates enfatizou a crise política e quis demonstrar profundas preocupações sociais. Correlacionou o agravamento da crise económica e financeira com o “chumbo” do PEC IV. Responsabilizou o PSD pelo despoletar da crise política [ânsia de conquistar o poder] e pela necessidade de pedir auxílio financeiro externo. No campo social acentuou as suas diferenças em relação ao Estado Social, sublinhando [questionando] as “não assumidas” [mas presentes] opções neoliberais do programa do PSD, em relação à Saúde, à Educação e à Segurança Social.

Pedro Passos Coelho atirou-se à má governação socialista a que atribui a responsabilidade pela intervenção externa e não perdeu a oportunidade para insistir no chavão da “bancarrota”. Centrou a sua prestação sobre as opções financeiras e fiscais insistindo na incapacidade do actual governo em combater o défice orçamental e o endividamento excessivo [como se elas fossem opções governamentais e não ditakts de Bruxelas, Berlim, Frankfurt…]. No aspecto social esteve mais interessado em valorizar o flagelo do desemprego que imbricou na incapacidade estratégica de promover o crescimento económico [baixo crescimento nos últimos 6 anos].

E assim por diante…

Na realidade, assistimos a um debate muito focalizado sobre hipóteses diagnósticas referentes ao passado recente [os últimos 6 anos de governação]. Foi o desfile de múltiplas análises [diferenciais] sobre as causas [próximas ou longínquas] da situação em que nos encontramos ignorando que a realidade, entretanto, já é outra.
O próximo governo [qualquer que seja] tem um programa escrito e uma actuação balizada [e supervisionada] – o memorando UE/BCE/FMI. É esse guião que comandará a política, a economia e as finanças, nos próximos 3 anos [a quase totalidade do mandato governamental em disputa]. Existe pouco espaço para improvisar – qualquer que seja o governo - embora a “questão social” possa vir a ser perturbadora. Sobre este candente assunto o debate andou muito pela rama. Não basta apregoar “mais sociedade”, como também não chega proclamar a defesa do “modelo social europeu”. Quando a sociedade se manifestar [e não estará longe disso] o PSD, se estiver no poder, gritará por ordem e segurança e imporá a autoridade [tão cara para a Direita] se não for a repressão. Quando a clique neoliberal europeia impuser [mais] restrições ao modelo europeu o PS, se continuar no poder, não terá autonomia para resistir a essas progressivas “pressões” [exigências].

Na verdade, os ditos mercados decidiram “atacar” o euro. E a Euro Zona, ou mais alargadamente a UE, para defender a moeda única desse “ataque”, optou por enterrar a social-democracia [que sustentou politicamente o dito modelo social europeu]. Este o espectro que – subliminarmente - pairou sobre o debate e nunca veio à superfície.

De facto, não é importante tecer palpites – como ontem sucedeu no pós-debate envolvendo grande número de analistas e os habituais comentadores de serviço - sobre quem terá vencido ou perdido o frente-a-frente.


O futuro de grande número de portugueses – desde que a intervenção externa se tornou uma realidade - deixou de passar por estas picardias. Mau grado os floreados retóricos e argumentativos e os programas partidários específicos ou supletivos [perante o memorando da troika] será a primeira vez que o eleitorado está confrontado com uma escolha restrita. Na realidade, as exigências e os calendários impostos pelo programa de resgate pouco tempo e nenhum espaço deixarão para improvisos ou aventuras políticas protagonizados pelos seus subscritores.

O futuro é já amanhã e parece só ter dois desfechos: ou conseguimos vencer a crise [com o programa da troika], ou comprometemos o futuro. É esta visão maniqueísta que nos perturba. Não há espaço para alegorias…

Segundo creio nem uma só vez a palavra “futuro” ecoou neste tão aguardado debate. Até 5 de Junho mais vale ficarmos por aqui.

Comentários

Eu,um simples operário emigrante na Holanda desde 1964 e já velhote (87anos),no meu fraco entender,digo
que o PS e o PSD são como dois irmãos gémeos que se guerreiam na disputa da herança da Quinta.Pois quanto à Política,o PS embora use o rótulo de socialista,êle pratica
Política Liberal tal como o PSD que
abusivamente se diz socialdemocrata
Ambos são partidários do Livre Mercado em que cada qual se safa como pode,portanto,do Liberalismo à moda da terra do Tio Sam mafioso e flibusteiro que quer dominar o Mundo inteiro.Ambos apoiam a Horda mercenária da NATO e suas guerras sujas e nisto são acolitados pelo
CDS/PP onde domina a chamada
«democracia» cristã em que há muita gente saudosa da Ditadura do clerical-fascismo.Usando as adversativas que aprendi na Instrução Primária direi:-Mas,porém
todavia,contudo.......
Com populismo e demagogia,
muita mentira,verdade parece,
mas em liberdade e democracia,
o Povo tem o Governo que merece.
A questão "passado vs futuro" deste ou de outro debate é pertinente mas não do ponto de vista que refere.

Na minha otica, neste momento é mais importante debater o passado do que o futuro (este já está comprometido para alguns anos com as regras do FMI).

Assim como o luto não se faz sem o corpo, o País não renasce sem conhecer e responsabilizar os culpados da crise instalada.

Mais vergonhoso do que a situação em que nos encontramos é não sermos capazes de julgar e condenar os culpados.

Se somos um País Europeu, da União Europeia, de 1º Mundo, não podemos deixar passar incólume quem nos colocou nesta situação.

Não ficaremos bem connosco proprios se o nosso renascimento se não fizer sobre principios de justiça e responsabilização que a todos orgulhem.

Infelizmente todos os partidos com assento parlamentar situados à direita do Governo têm telhados de vidro.

A verdadeira justiça só será aplicada com uma verdadeira imposição civica, porque as eleições não vão, pelo que as sondagens apontam, trazer nada de novo.

Pelos piores motivos vamos ter muitas pessoas com tempo livre para fazer "acampadas". Esperemos que consigamos começar a gostar mais do nosso povo.
e-pá! disse…
Leão de Quiosque:

Compreendo o seu ponto de vista. Todavia, penso que "a busca de responsabilidades" (que não desvalorizo) esgotou praticamente o debate, com prejuízo do esmiuçar como vai (ou deve) ser o futuro (para além do "memorando", claro).

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