A sátira da participação de imigrantes na campanha eleitoral nos limites da xenofobia
Vieram a público, neste fim-de-semana, várias “peças jornalísticas” que procuraram fazer uma sátira pelo facto de um grupo de imigrantes ter participado em comícios eleitorais de um determinado partido político.
As “representações sociais” implícitas e promovidas nessas “peças” passavam pela caracterização do Imigrante como uma pessoa que:
- não teria qualquer interesse na política e que se deixou instrumentalizar, mais exactamente deixou-se “comprar” por um prato de lentilhas, digo, por uma sandes de queijo (de fiambre não deveria ser, porque muitos poderiam ser muçulmanos…);
- ou como uma pessoa sem liberdade e sem capacidade de autodeterminação e que estaria ali a mando de outrem apenas para abanar bandeiras e encher espaço, mas mais uma vez o jornalista – desapontado – não conseguiu provar que aqueles “mercenários” houvessem sido pagos por tal serviço (à excepção da já famosa viagem de autocarro e da sandes…).
Ora estas “reportagens” estão imbuídas de preconceitos e roçam a xenofobia.
O preconceito de que o imigrante apenas participa na política por interesses venais (a sandes, a viagem de autocarro);
O preconceito de que o imigrante, não tendo direito a voto, não deveria ter o direito de participar no debate político. No fundo: eles estão cá para trabalhar e não para participar na coisa pública.
Claro que os repórteres tiveram o cuidado de aprimorar a sátira e procuraram filmar e entrevistar a caricatura mais populista: o indiano de turbante e o moçambicano com difícil dicção, carecendo de legendagem.
Fora este um jantar-debate com investidores americanos ou alemães; ou um chá no clube de golfe inglês de Cascais e já o efeito burlesco perante a audiência não funcionaria.
A maioria da população portuguesa arreganha um sorriso pérfido perante estas “peças” e abanando os ombros limita-se a cochichar que o partido que promove este tipo de participação instrumentaliza as pessoas. Fosse este partido um outro, por exemplo de extrema-esquerda e muito focado nos direitos dos imigrantes e já a imagem de instrumentalização não passava. Fossem estes imigrantes outros, por exemplo financiadores de órgãos de comunicação social, num hotel de 5 estrelas, e já a sátira não funcionava.
O ponto é que o partido que promoveu esta participação de imigrantes tem razão para o fazer! Como aliás disseram os imigrantes entrevistados, eles têm razões de agrado pelas políticas de imigração defendidas e praticadas pelo PS e por José Sócrates. Os Relatórios da ONU aí estão a comprovar que Portugal tem das melhores políticas de integração de imigrantes.
Recordo ainda que nas juventudes partidárias militam jovens sem idade para votar e que ao longo de 37 anos abanaram bandeiras e colaram cartazes, sem que a falta de capacidade eleitoral fosse razão para satirizar ou inibir o seu direito de participar no debate cívico e político!
Proponho aliás que os imigrantes tenham o direito de voto e mesmo que haja uma presença obrigatória de deputados imigrantes no Parlamento, através da criação de um círculo eleitoral para esta população (claro que isto só seria possível através de uma revisão constitucional).
Talvez isso não interesse. Talvez a comunicação social deva ir a reboque dos critérios do Correio da Manhã e inundar as nossas mentes de representações sociais e culturais próximas da xenofobia, promovendo o desdém, o apoucamento e a infantilização do cidadão imigrante!
André Gonçalo Dias Pereira
Coimbra, 23 de Maio de 2011
Comentários
Vivi tudo isto na Alemanha, com muito mais xenofobia do que aqui, com muitas constituições regionais. Mas construi-se, fez-se alguma coisa e hoje os imigrantes são um grupo a considerar, pelo menos nas eleições autarquicas, pois tanto pode, em certas localidades, dar uma vitória ou uma derrota a um candidato. Começou-se por simples Conselhos Municipais ou Comissões Municipais, que eram nada mais do que simples engodos para fazer calar certas vozes nossas mas não conseguiram.
Tais Conselhos foram aproveitados para denunciar as contradições dos argumentos, para "se fazer politica real" e hoje, na maior parte dos estados há já direito eleitoral, passivo e activo.
Mas que deu muito trabalho ...isso deu.
Carlos Mendes
O que de facto impressiona na reportagem do "Correio da Manhã" não é o facto de os participantes em acções de campanha eleitoral serem emigrantes, ou se quisermos, estrangeiros.
O relevante será o retomar deste tipo de "turismo político", neste caso, eleitoral.
Durante a ditadura este tipo de "arregimentamento" [praticado pela UN e a ANP] sempre foi criticado e parodiado pelos democratas opositores ao regime.
Hoje, em democracia, este tipo de procedimentos, entrou de novo no "folclore eleitoral", como no passado, esteve presente em manifestações (ditas espontâneas!) de apoio (ou de desagravo) a figuras gradas do regime fascista - na época valorizava-se pouco os actos eleitorais... E o pior é que, vivendo nós em democracia, todos os partidos se deixaram envolver nestas encenações eleitorais em nome de estratégias de marketing político.
Sendo a actividade política um direito cívico é difícil compreender que o seu exercício se exerça através destes modelos de caravanismo, socialmente, atípicos.
Na realidade, a integração dos cidadãos (portugueses ou estrangeiros) na vida política nacional deve fazer através do associativismo (político, cultural, etc.) e não da promoção do “excursionismo”.
As campanhas eleitorais não devem ser transformadas em espectáculos sem o mínimo de autenticidade. As campanhas “fabricadas” dificilmente atingem os seus fins: o esclarecimento dos eleitores. É esse o problema. É, também, essa a motivação que informa um dos exemplos mais recentes - o Movimento M-15 (acampado na Puerta del Sol em Madrid) congregando cidadãos que deixaram de se sentir representados pelos partidos políticos e exigem “democracia real, já!”.
De resto, a participação de emigrantes na vida política só é salutar para a democracia. Trazem-nos outras experiências e novas visões sobre o Mundo.
Os comícios da campanha eleitoral - de qualquer partido - nada têm a ver com uma identificação com as massas populares.
São na maioria dos casos "assembleias de crentes". A Direita já entendeu isso há muito tempo, por essa razão é que Paulinho anda pelas feiras e porta a porta!
Todavia, reconheço que existe uma corrente apostadora na "luta é alegria"...
O que não podemos é confundir festivais com campanhas políticas embora esta mistura seja cada vez mais frequente.
Ou partidos também existirão para, no dia a dia, desenvolver trabalho junto das bases, promover a participação dos militantes e simpatizantes e intervir na vida colectiva?
A "aristocracia política" - desde Roma Imperial - gosta de oferecer circo à "populaça" (passe a expressão), já que o pão escasseia...
Todavia, como sucedeu no Império, isso não impediu a sua decadência.