O esfíngico Egipto…

Oração de crentes muçulmanos na praça Tahrir [Março 2011]


O papel que tem sido desempenhado pelas Forças Armadas egípcias no regime de transição, depois da queda de Mubarak, continua envolto em muitas dúvidas e pejado de contradições.
O Conselho Militar tem o compromisso público de entregar o poder à sociedade civil, através de um processo eleitoral, que passa pela revisão da Constituição.

Tal situação não é tranquilizadora. De facto, todo o percurso histórico dos militares e o seu insofismável envolvimento na política e na economia, durante os consulados de Sadat/Mubarak, não os credencia como uma ponte fiável para a transição entre a ditadura e a democracia.


A revisão da Constituição votada [com aprovação de 77% dos eleitores] introduz alterações pontuais, alterando 9 artigos: duração do mandato presidencial, qualificação dos candidatos à presidência, superintendência judicial da eleição, nomeação do vice-presidente e a declaração de situação de emergência. Uma alteração significativa é a que reduz de 6 para 4 anos o mandato do presidente do país, que agora só pode ser reeleito uma vez, o que mostra a vontade de o povo precaver-se contra novas [outras] longevidades de permanência no poder de cliques políticas e/ou político-militares e uma vontade de uma maior - e mais assídua - participação popular em todos os processos eleitorais.

Mas o actual processo de revisão não tocou num assunto essencial para o Ocidente e para alguns sectores da sociedade egípcia que se envolveram nos protestos na praça Tahrir. Trata-se do artº. 2 da Constituição egípcia onde se estabelece que a Sharia (a lei islâmica) é a fonte principal de toda a legislação…


Na verdade, esmorece nesta difícil barreira a instável aliança entre alguns quadros [intermédios] das forças armadas e sectores da população que, como corrolário da insurreição, defendem um País laico.
Formalmente, a Constituição encontra-se suspensa, o Parlamento dissolvido e o País viverá sob manu militari até às próximas eleições. E será o novo parlamento que criará uma comissão de 100 membros para redigir a nova Constituição, no prazo de seis meses.


A principal questão – da nova constituição – gravitará à volta do 2º. artigo constitucional. Isto é, sobre a existência de um Estado laico e da sua compatibilidade com a fórmula de a lei islâmica continuar a ser a fonte e a “inspiração" de toda a legislação para a sociedade civil.

A Irmandade Muçulmana, o mais influente movimento islamita daquele país, anunciou a criação de um partido político na sua dependência. O novo partido chama-se Partido da Liberdade e da Justiça, será civil e não teocrático [no anúncio dos dirigentes da Irmandade], e pretende participar [parcialmente] nas próximas eleições legislativas de Setembro. link
O novo partido da Liberdade e da Justiça, é um passo positivo no contexto da construção da democracia [uma democracia de partidos] mas, todavia, não esclarece cabalmente a sua posição sobre o carácter laico do Estado. Prefere a fórmula “não teocrático”.


Significará isto – tão somente - que o Egipto não pretende ser um novo Irão? Então, qual o futuro modelo constitucional egipcio?


Voltamos à controvérsia sobre a viabilidade da existência de “democracias islâmicas”. E aos "seus" modelos na Turquia, na Indonésia ou no Bangladesh.

Neste momento, é difícil ignorar uma profunda polarização religiosa da sociedade egípcia: os 77% dos votantes nas emendas constitucionais já efectuadas sentiram a necessidade de assegurar o artº. 2 da Constituição. Os eleitores que votaram contra terão sido a minoria de católicos [coptas] e, na generalidade, estratos da sociedade que se batem pela laicidade do Estado.
De certo modo o regresso à histórica percepção transmitida por Tocqueville – em pleno séc. XIX - sobre a fusão, no seio dos canones islamistas, entre os poderes religioso e político. Facto que, no seu entender, conduziria, invariavelmente, ao despotismo.

Aqui residirá o real impasse político do Egipto pós-Mubarak. Na verdade, a grande exigência da insurreição egípcia - eleições livres - pode ser prematura. Em primeiro lugar, será necessário desenvolver o processo democrático. As eleições serão, deste modo, o culminar desse processo e não o seu “acidente” precursor.

Comentários

Os Poderosos que governam o Mundo, sabem muito bem quão necessário é
o ópio das Religiões para manter o
Povo ajoelhado e submisso.Daí a
razão de figurar nos chamados
Direitos Humanos a liberdade das
crenças religiosas e a liberdade dos seus Padres que se dizem Vigários de Deus mas aliados dos
Poderosos,poderem continuar Vigarizando as populações quer seja
no mundo muçulmano ou no mundo biblico-judaico-cristão.

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