Morreu Juan María Bordaberry, sem honra nem glória...

“…Conservador, católico, antiliberal e empresário rural, além de réu por delitos de lesa-humanidade, Juan María Bordaberry (1928-2011) foi o responsável por derrubar a democracia uruguaia da Presidência em 1973 e para depois ser deposto pelos militares, aos que abriu a porta do poder. Seus ideais corporativistas, de um governo de inspiração franquista e para eliminar os partidos políticos, aos que apontava de superados, não serviram para uma classe militar que só reconheceu seu poder quando foi útil e que depois terminaram destituindo-o em junho de 1976…” link

As ditaduras sul-americanas que fustigaram (e oprimiram) a América Latina, durante o séc. XX, tem origens remotas. Entroncam-se nas lutas pela independência contra o domínio colonial no alvorecer do séc.XIX que geraram grandes “vazios” políticos, levando a que personalidades indígenas – até então marginalizados da vida pública - tivessem a oportunidade histórica de “assaltar” o poder. O abandono das colónias por parte dos colonizadores teve como consequência a criação de grandes domínios agrários (latifúndios) que, perante um Estado debilitado pós-colonial, levou os donos da terra a assumir funções políticas imbuídos de uma matriz caudilhista.

O ordenamento republicano que surgiu após os movimentos de libertação na América Latina (com excepção do Brasil) não conseguiu libertar-se do caciquismo (local ou regional). Este ordenamento do tipo liberal permitiu aos terratenientes (caciques locais e regionais, “coronéis”, etc.) consolidarem importantes porções de poder. O "vazio institucional" reinante trouxe-lhe amplas prerrogativas: administração da justiça, protecção das populações e, como não podia deixar de ser, o papel de árbitros na distribuição de favores. Eram, na altura, os plenipotenciários “senhores da terra” face a um embrionário Estado unitário, estruturado e centralizado.

Quando a Reforma Liberal “chega” ao continente sul-americano tem diversas nuances nos diferentes países. No Uruguai, a reforma centraliza-se na personalidade de José Batlle y Ordoñez e tem como pano de fundo a criação de dois grandes agrupamentos políticos: Colorado e Blanco. A “revolução liberal” faz-se sob a batuta dos adeptos do partido Colorado que representava os interesses de Montevideu (essencialmente urbanos e cosmopolitas) e com a resistência dos conservadores “blancos” que federavam os interesses dos latifundiários.



José Batlle y Ordonez foi o construtor do moderno Uruguai, procedendo a reformas políticas, sociais e económicas, como o pluralismo político na governação e a intervenção governamental em vários sectores da economia, bem como o lançamento de um sistema de segurança social.

O Uruguai conheceu, então, um período de grande desenvolvimento económico nomeadamente na agro-pecuária, onde a contribuição dos imigrantes europeus teve um papel determinante. Montevideu cresceu como um grande entreposto comercial, tornando um centro económico de referência na América do Sul articulando-se com o Paraguai, Argentina e Brasil.

Na década de 60 dá-se um violento retrocesso neste ciclo de desenvolvimento com a queda da procura de produtos agrícolas e surgem os problemas económicos acompanhados da inflação, do desemprego e de uma queda abrupta do nível de vida da população. Começam os protestos estudantis e os conflitos laborais. Surge, então, o movimento de guerrilha - os Tupamaros - que desestabilizaram a situação (nomeadamente com ataques às forças de segurança e raptos políticos). Em 1968 é decretado o estado de emergência com supressão das liberdades civis. É neste período que aparece o ditador Juan María Bordaberry proibindo as organizações políticas e ordenando ao Exército que se envolva no combate à guerrilha. Tal estratégia política, que se revestiu de aspectos sanguinários, levou ao golpe militar e à posterior destituição de Bordaberry (quando os militares o consideraram "inútil").
Em 1973 decide pôr um ponto final no que restava das instituições democráticas, decretou a suspensão do Parlamento que mandou cercar por forças militares, determinou a ilegalização dos partidos políticos e tentou estabelecer um governo corporativista inspirado no franquismo. Apesar disso, não caiu nas boas graças dos militares que o afastaram do poder e passaram a exercê-lo directamente.

Regressou tranquilamente à actividade económica rural mas, em 2006, foram (re)abertos processos de investigação à sua actividade política (até então arquivados) e o ex-ditador foi detido para julgamento das suas responsabilidades no assassinato massivo de opositores e de coveiro da democracia uruguaia (atentato contra a Constituição). Durante o periodo de governação de Bordaberry terão “desaparecido” cerca de 200 uruguaios…

É um dos agentes do tenebroso “Plano Condor” cuja dimensão está ainda por esclarecer na afanosa tarefa de “neutralizar” as forças democráticas, dificultando o seu combate às "orquestradas" ditaduras que, nos anos 70, imperavam na América Latina.

Foi condenado a duas penas de 30 anos de prisão, tendo-lhe sido concedida a reclusão domiciliária devido ao seu estado de saúde e, ontem, morreu na sua residência, no mais profundo anonimato político e sem direito a honras de ex-chefe de Estado, por decisão do actual Parlamento.

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