Reestruturação da dívida e futuro…

O Parlamento na sua sessão de hoje rejeitou uma proposta do PCP no sentido de se proceder a uma renegociação, ou se quisermos, a uma reestruturação, da dívida externa portuguesa.

Aparentemente, a proposta do PCP é prematura. Não podemos andar de Herodes para Pilatos e como todos sabemos os 3 principais partidos políticos portugueses, há pouco mais de 1 mês, subscreveram um memorando de entendimentos com a UE, o BCE e o FMI.

A actual “aposta” é (n)o resgate financeiro através de um empréstimo multilateral com a intenção de permitir cumprir o serviço da dívida. Claro que este empréstimo não é de borla. Paga juros altos e tem pesadas contrapartidas políticas e sociais. Nem o caminho adoptado é o único, i. e., sem alternativas como Bruxelas o tem apresentado. Aliás a experiência colhida em relação à Grécia, de que somos relutantes na sua assimilação, nos tranquiliza.
Mas o Mundo não começa, nem acaba, neste rectângulo à beira-mar plantado. A questão da dívida pública soberana é um problema que ultrapassa as nossas estreitas fronteiras e ocupa os analistas financeiros, os economistas e os políticos. Na Europa e nos EUA. São múltiplas as análises e dispares as soluções que contrariam a política oficial da UE, entrando em choque com a estratégia do “eixo” Merkel/Sarkosy e o BCE. Todavia, a grande pressão vem do sistema bancário. A leitura do artigo do The New York Times (Landom Thomas, Jr) é elucidativa: “The banks are obviously putting pressure on Europe to not restructure...” said Raoul Ruparel, an analyst at Open Europe, a Europe-focused research organization based in London. “But there is no real reason to impose such a cost on taxpayers when investors and banks have the ability to absorb these costs.link
Nouriel Roubini – o economista que previu a actual crise – a propósito da Grécia expôs uma lúcida e fundamentada visão sobre reestruturação da dívida que não deve ser ignorada. link
Para o antigo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) e professor de Economia na Universidade de Havard , Kenneth Rogoff, a eventual reestruturação de dois ou três países - Grécia, Irlanda, Portugal - é inevitável…" link

E poderíamos citar inúmeros exemplos…

A proposta do PCP, apoiada pelo BE e PEV, significava uma incómoda ruptura com os actuais compromissos públicos em favor de uma viragem na política financeira. Mas as difíceis circunstâncias do momento não lhe retiram fundamento a não ser nas cabeças demagógicas e prevertidas que consideram a reestruturação como um vergonhoso calote ou que invocam um néscio paralelismo com a bancarrota argentina de 2001…como se a proposta recomendasse uma solução unilateral à revelia da Europa.
Qualquer cabeça pensante neste País (até ao Engº. Ângelo Correia) sabe que a reestruturação só poderá ser feita no seio da UE e com a colaboração do BCE e com negociações com o FMI…
Encerrada a questão no Parlamento, com um chorrilho de aleivosias por parte do PSD e CDS, como se essa proposta fosse uma traição ou uma vil manobra comunista para fugir a responsabilidades, continuará em vigor (e em execução) o memorando celebrado com a troika e todo o cortejo de consequências que lhe está acoplado e que é, neste momento, maçador repetir.

A votação de hoje no Parlamento não é (politicamente) inconsequente. É uma armadilha para o actual Governo.
O Governo de José Sócrates, ao fim e ao cabo, caiu porque não encontrou suporte político capaz de evitar a intervenção externa.
Se dentro de alguns meses as vicissitudes da política nos empurrarem para uma reestruturação da dívida (mesmo daquelas soft) o XIX Governo Constitucional perde a essência do suporte político que afanosamente se apressou a capitalizar no dia 5 de Junho passado.
Não poderão os actuais paladinos do resgate transformarem-se em campeões da reestruturação.
Este Governo não está mandatado para uma reestruturação que nos seja imposta depois de hoje ter rejeitado, liminarmente, equacionar essa hipótese. A reestruturação não poderá ser levada a efeito por incrédulos ou por oportunistas até porque os seus custos serão elevados (provavelmente maiores do que o PCP julga...).

E de novo o espectro (a médio prazo?) da crise política… e a óbvia necessidade de devolver a palavra ao povo. Isto é, o modo como a actual maioria de Direita lidou com a proposta de reestruturação hipotecou ("amarrou") o seu futuro à “não-reestruturação” da dívida. Na verdade, a maioria de Direita emparedou todas as portas...
Daqui prá frente só há dragões…

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