O que me irrita neste Governo
Não me pronuncio agora sobre a bondade das medidas económicas e sociais do atual governo nem sobre as alternativas possíveis. Arrelia-me, sobretudo, a sua postura. Irrita-me a satisfação com que os ministros anunciam a elevação dos impostos ou a subida dos transportes, a alegria que lhes dá a cobrança de portagens ou o aumento dos combustíveis, o orgulho que sentem na alienação do património ou na agilização dos despedimentos, em suma, na felicidade que ostentam pelas malfeitorias a que procedem.
Vendo-os na televisão a exultarem por mais uma desgraça que anunciam, com culpas invariavelmente atribuídas ao governo anterior, vem-me sempre à memória a noviça que informou a madre superiora de ter sido violada, ouvindo desta a surpreendente recomendação de espremer um limão e beber rapidamente o sumo. Estupefacta a noviça ainda pergunta se a bebida evita a gravidez, ao que a madre responde que, pelo menos, evita o ar de felicidade.
Esta coligação está a precisar de muito sumo. De limão bem azedo.
Comentários
Passos Coelho e a sua 'entourage' fecharam-se numa concha e tentam ignorar o 'clamor' popular. Como fizeram em relação ao 5 de Outubro pensarão riscar este último sábado do mapa. Não só porque esse dia, para além de despertar a 'ira popular' também revelou, publicamente, as ('patrioticamente') escondidas incongruências e fragilidades da coligação partidária no poder. Mas, essencialmente, porque demonstrou que o oculto projecto de transformação económica e social (vulgo empobrecimento e 'destruição' do País) não conseguirá ser imposto à custa de sorrisos fáceis, enredos, incriminações e cumplicidades. Caiu o horizonte virtual (fabricado) que nesta crise tem condicionado os comportamentos (políticos e sociais).
Adensam-se os sinais emergentes de graves conflitos políticos e sociais que se 'colaram' a um facto incontornável: a legitimidade democrática (decorrente das últimas eleições) ruiu. E fê-lo no sítio mais volátil e instável: na rua.
O governo deveria saber (saberá?) que ao 'rasgar' o contrato social colocaria o regime (democrático) no fio da navalha, soltando na praça pública 'velhos' e 'novos' fantasmas.
Até aqui os mais fragéis viveram tolhidos pelo medo. Daqui para diante, todos teremos medo (por razões diversas). E todos teremos à nossa frente um amargo sumo de limão...
Ou será um cálice de cicuta?