Portugal, a Silly Season e António Borges

Quando julgávamos que o calendário viesse paulatinamente reconduzindo Portugal e os portugueses a um módico de responsabilidade que nos redimisse dos silêncios dos altos dignitários que foram a banhos ao Algarve, só a morte de um ministro informal acordou da letargia o PR e o PM.

Depois de arderem três bombeiros e milhares de hectares de floresta, depois do sangue derramado nas estradas e das vidas afogadas nas praias e rios, depois do massacre a que os canais televisivos sujeitaram os telespetadores, com labaredas e gritos de desespero, só a morte de um economista implacavelmente ultraliberal, despertou as carpideiras da nossa desgraça para a capitalização da morte, na defesa das ideias que nos conduziram ao fracasso, usando o prestígio do defunto como ex-reitor do INSEAD de Paris.

Só um incêndio de uma marquise na Travessa do Possolo ou a Universidade de Férias do PSD poderiam ter perturbado o repouso ou despertado o alvoroço de quem estava a banhos como os espanhóis durante a sesta. Nada os acorda. E, dos bombeiros feridos, mais um se juntou aos três mortos.

Um Marco António caiu-me na sopa, durante um telejornal, a dar aulas na Universidade referida com um tema livre sobre a obrigação de os juízes produzirem acórdãos com um desprezo igual pela Constituição ao do Governo na preparação do Orçamento de Estado. Lembrei-me de que «quem sabe, faz; quem não sabe, ensina».  Marco António dá aulas.

Em respeito pela morte mantive-me silencioso enquanto as cinzas de António Borges não foram recolhidas pelos que justamente o choram, os filhos e, quiçá, a viúva, se acaso a tem. Suportei com estoicismo o coro de carpideiras avençadas e panegiristas de serviço perante a morte esperada do brilhante académico que trocou a produção teórica por lugares bem remunerados, enquanto considerava urgente a redução substancial dos salários miseráveis dos portugueses.

Recordar o economista que exerceu os mais altos cargos no banco Goldman Sachs e no FMI, onde, com notável inteligência, promoveu a destruição dos equilíbrios mundiais, fomentando a crise atual e o sofrimento de milhões de pessoas, é um ato de justiça, não é uma vindicta. Vergonha é o que Passos Coelho, por ignorância, e Cavaco Silva, por impiedade, fizeram: enaltecer o pensamento do consultor das privatizações do Governo e associarem-se ideologicamente a quem preconizava a tragédia que sofremos.

Há quem lhe louve a frontalidade e lamente que essa virtude lhe prejudicasse a carreira política. É preciso topete. António Mendo de Castel-Branco do Amaral Osório Borges era o mais bem pago colaborador do Estado português, que não via problemas éticos na acumulação com o lugar de administrador da Jerónimo Martins.

Não conheço um só livro que tenha escrito, provavelmente nunca plantou uma árvore, e foi o arauto de experiências mal sucedidas que semearam a miséria e aprofundaram as desigualdades sociais. Malditas carpideiras.

 Ponte Europa / Sorumbático

Comentários

lino disse…
Um texto imperdível!
Abraço

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