Salazar e a cadeira – Forte de santo António, em 3 de agosto de 1968

Há 45 anos, por ironia do destino, uma velha cadeira, interpretando os ventos da história e o sentir dos portugueses, depois de aguentar longos anos o lento corroer do caruncho, não suportou a infâmia de se ver calcada pelo eterno ditador e desfez-se num derradeiro ato de dignidade, em patriótico haraquíri, numa abnegada dádiva ao país que a ignorava.

Aguentou paciente, durante décadas, o lento desgaste a que o mais xilófago dos insetos a sujeitou. Sentiu o seu interior reduzir-se a pó e esperou pacientemente que o sinistro ditador deixasse cair o corpo, com a displicência com que a polícia política desprezava a liberdade e os direitos humanos, viu o pulha a aproximar-se, sofreu o odor do velhaco e a raiva de quem já tinha sido tantas vezes calcada pelo biltre.

Quando o corpo do miserável se preparava para relaxar, a cadeira, consciente do serviço que na sua decrepitude podia prestar, não hesitou, desconjuntou-se num ápice e arrastou com ela o algoz. Este nunca se recompôs e a cadeira ficou como símbolo heroico de um ato que os portugueses deviam e não puderam.

Nunca tantos deveram tanto a uma cadeira. À falta da venera que merecia, fica aqui esta homenagem que um eterno admirador partilha com os seus leitores. Bendita cadeira.

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