O ‘exemplo’ irlandês…
Em Portugal a maioria governamental, nestes últimos dias, tem andado em animados festejos à volta do (bom) desfecho do ‘caso’ irlandês.
Pretendem tirar apriorísticas ilações. Não vão longe.
A ‘colagem’ à Irlanda é abusiva. O programa ‘aplicado’ à Irlanda é substancialmente diferente do ‘caso português’ como é de um outro que se pretende esconder: o grego.
Tentar – em Portugal ou na Europa – demonstrar o êxito da austeridade com o sucesso resgate irlandês é o maior embuste político de sempre. Alguns arautos das instituições europeias – co-responsáveis pelas decisões estratégicas europeias - têm-se esforçado nesta anedótica tarefa link.
Até aqui os ‘interventores’ não mostraram a mínima dúvida, a mais leve transigência mas verificamos que o desfecho irlandês aparece, agora, como o seu ‘quod erat demonstradum’.
A situação da Irlanda difere muito da portuguesa. Primeiro porque se tratou de uma intervenção externa especialmente orientada para o sector bancário não tendo sido frontalmente dirigida ao problema da dívida pública. Aliás o grande problema da dívida irlandesa diz respeito à sua componente privada.
Na Irlanda muito embora ainda com um deficit público elevado verifica-se ao longo deste processo que o seu equilíbrio tem sido feito com prudência e cuidadosamente programado. Dublin fez ajustamentos estruturais mas nunca descurou a economia e o seu crescimento. Bateu o pé à troika, sem ceder, nas questões fiscais (nomeadamente em relação ao IRC e IVA). A opção primordial foi defender os interesses irlandeses deixando o papel de 'bom aluno' para os incautos.
Há já algum tempo que a Irlanda saiu da recessão. E mais do que isso precaveu-se contra as incertezas e maus humores dos mercados. Reservou, com base na tranche de apoio financeiro obtida através da troika, cerca de 25.000 milhões de euros para o que der e vier. Portugal não conseguiu aforrar nada porque o serviço da dívida e as ‘rendas’ tudo engolem. Não tendo criado uma ‘almofada’ protectora, se conseguirmos terminar o programa em Junho de 2014 – o que falta verificar - será sempre numa situação precária. Que não parece dispensar medidas complementares (2º. resgate ou programa cautelar, tanto faz).
Há uma frase do primeiro-ministro irlandês Enda Kenny que tem sido pouco divulgada em Portugal e ao que supomos terá sido ignorada em Bruxelas: “It will be an economic plan based on enterprise, not speculation. Never again will our country's fortunes be sacrificed to speculation, greed and short-term gain" link ("será um plano económico baseado nas empresas, não na especulação. O destino do nosso país nunca mais será sacrificado em nome da especulação, da ganância e dos ganhos de curto prazo).
Essa frase diz muito e é o justificativo fundamental da atitude irlandesa. Uma coisa é a ‘fadiga’ da austeridade outra será a sua rejeição pura e simples.
Todavia, uma outra advertência foi proferida no debate acerca do fim do bailout na Irlanda e deve pôr-nos de sobreaviso. Gerry Adams, presidente do Sinn Féin, afirmou: “The Troika may be leaving, but the Troika mindset remains”... link . Um sério aviso para os precipitados festeiros programados para o próximo Julho de 2014. De nada terão servido os brutais sacrifícios a que os portugueses foram submetidos se a mentalidade da troika, após o fim do ‘programa’, perdurar cá dentro.
A Irlanda rejeitou qualquer programa adicional essencialmente porque não está disposta a contemporizar com mais austeridade e sabe que ‘isso’ não conduziria ao fim da crise.
Por cá embora se fale no ‘fim do protectorado’ para meados de 2014 verificamos que Bruxelas já se apressou a anunciar novas medidas de austeridade para 2015… link. Vamos ver-nos 'gregos'.
Comentários
Porque sempre fomos apenas "orgulhosamente" nós!
Qualquer termo de solução semelhante com outros é pura coincidência.
Por azar, chegaremos sempre lá, mas em último!
Já percorremos as 7 partidas do Mundo. Estivemos na Ásia no comércio das especiarias, retrocedemos para África na esteira dos escravos e de matérias-primas, deslocamos para o Brasil na saga do ouro e, finalmente, viramo-nos para a Europa na ilusão do dinheiro 'fácil'.
Toda esta 'peregrinação' foi aparentemente inglória. Acabamos 'sós', humilhados e pobres.
Resta saber se, no fim deste acidentado percurso histórico, ainda preservamos algum naco de identidade enquanto povo, já que como sentimos o Estado foi 'capturado' pelos insondáveis 'credores'.