Descentralização Administrativa: a lenta e difícil caminhada...

A questão da descentralização política e administrativa é um problema mal resolvido para muitos portugueses desde 1998 (data da realização do referendo sobre a regionalização do País). Provavelmente o problema é ancestral já que é comum atribuir culpas pelos cíclicos males do País aos recorrentes bloqueios burocráticos do monstro ‘Terreiro do Paço’.
 
A Regionalização sendo um princípio consagrado na Constituição não tem sido fácil de pôr em prática. Por variadas razões que vão desde as delimitações das regiões que acabam por não gerar consensos e ainda porque o espectro de poder traduzir benefícios eleitorais pairará sempre sobre qualquer proposta (venha donde vier).
Outras manifestações marginais inquinaram o processo de regionalização onde pura e simplesmente abundam critérios economicistas explorados pela Direita que apontavam para sobreposições e duplicações de despesas administrativas.
Mas a Direita no essencial ao opor-se à regionalização pretendeu esconder a sua concepção nacionalista de Estado unitário.
 
O abandono de uma conceção tradicional englobando Norte, Centro e Sul (as ilhas são um caso à parte), embora estivesse fundamentado em especificidades de acessibilidades geográficas e de maior proximidade administrativa, não foi capaz de clarificar, integrar e fazer confluir os conceitos e pretensões regionalistas de muitos dos portugueses. Daí o resultado negativo do referendo e a colocação deste assunto em stand by. Todavia, é precipitado julgar que o problema morreu.
O Governo acaba de tomar decisões sobre uma descentralização administrativa que abrange áreas relativas à educação, saúde, ação social e áreas portuárias link. Foi de imediato acusado de estar a proceder a uma regionalização encapotada.
 
Na verdade, não parece existir essa trajetória regionalista mas antes da transferência de competências e, esperemos, de dotações orçamentais para estruturas políticas e administrativas já existentes e implantadas no terreno dito nacional.
Não houve, portanto, qualquer abrir de mão no campo da autonomia decisória ficando as estruturas centralizadoras de posse de todos os instrumentos de definição das políticas nacionais em todos os âmbitos que estão a ser ‘descentralizados’. O que se preconiza agora enquadra-se mais na concretização prática da Lei Quadro das Regiões (Lei nº. 56/91) link  que tem estado em ‘banho-maria’ desde 1991. Mesmo assim fica-se aquém do então legislado, já que não se instituiu Assembleias Regionais. Uma eventual equiparação das actuais CCDR’s às competências previstas para as Juntas Regionais não foi contemplada nas presentes medidas descentralizadoras tendo sido postergada para legislação futura, para não agitar demasiado as águas.
 
É bom ter presente que não se trata de uma regionalização, mesmo que envergonhada, nem sequer de uma profunda reforma administrativa mas uma tímida e cautelosa descentralização mesmo assim – e se correr bem - capaz de abrir caminho na modernização do País.
 
A transferência de competências para as autarquias, no entanto, não está isenta de riscos. Hoje é de bom-tom elogiar um pouco acriticamente o poder local esquecendo ou branqueando pecadilhos passados e presentes.
 
A questão  ‘centralização versus descentralização’ vem muito detrás e ganhou particular revelo no século XIX, com as conceções de Alexandre Herculano que assentavam num municipalismo indutor do desenvolvimento contra o marasmo centralista (do ‘Ancien Régime’) que considerava simplesmente obsoleto e tiranizante. Estávamos em plena Revolução Liberal e as posições de Herculano são perfeitamente consentâneas com a ideia de ‘Regeneração Nacional’ muito discutida na época.
 
A I República fez arrastar o modelo administrativo do País entre vários projetos donde emerge o federalismo (unitário) e ainda de experiências descentralizadoras digladiando conceções assentes nos concelhos, nos distritos e nas províncias. Neste período, um dos grandes promotores de uma Reforma Administrativa foi um homem da região Centro, António José de Almeida, e que - devido à instabilidade política da época - a formulou, mas não a conseguiu desenvolver.
 
No Estado Novo, os municípios transformaram-se em correias de transmissão do poder central, foram despojados de recursos financeiros, alienaram a participação popular, fazendo nascer velhos caciquismos.
 
Depois de 1974 há um ressurgimento do Poder Local que, numa primeira fase, é extremamente profícuo e atuante resolvendo alguns dos problemas ancestrais que fustigavam o País. Foi sol de pouca dura e muito precocemente o Poder Local, nomeadamente os municípios, foram entalados entre os insaciáveis apetites dos promotores imobiliários (terreno fértil para a corrupção) e os jogos partidários locais (com o beneplácito de órgãos nacionais) e onde velhas concepções geram em muitos concelhos ‘dinossauros autárquicos’, uma variante moderna do caciquismo.
A aliança entre ‘dinossauros’ apoiados por um vasto leque de formações partidárias e os interesses imobiliários gerou danos patrimoniais irreversíveis, a anarquia de planeamento, o caos urbanístico e projetos megalómanos insustentáveis, assentes em despesismos irracionais, sendo indutora de novo período de descrédito para o municipalismo.
 
Estas medidas descentralizadoras anunciadas pelo Governo são uma nova oportunidade para relançar o municipalismo, enquanto poder de proximidade em sintonia coma as necessidades e aspirações locais, já que sob os efeitos da crise financeira ainda em evolução, a pressão dos interesses imobiliários decresceu e as autarquias tiveram de virar-se para os problemas sociais, económicos e demográficos que se agudizaram.
 
A disseminação de ‘orçamentos participativos’ introduziu uma nova dinâmica municipal e esta metodologia comunitária deverá ser ampliada nomeadamente no âmbito orçamental (envolvendo decisões sobre projectos municipais de maior vulto). A participação dos munícipes na vida das comunidades será a melhor forma de controlar e regular o municipalismo, não os deixando transformar-se em ‘novos morgadios’.
 
Finalmente, a Regionalização tem necessariamente de (re)conquistar espaço na discussão pública nacional quando são decorridos cerca de 20 anos após a decisão referendária. Mas este é outro assunto que, não diminuindo a importância de medidas descentralizadoras, deverá ser digerido à posteriori e em contraponto (dialético) ao arrasante poder corporizado pelos esmagadores mecanismos de globalização.

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