António Valdemar - Académico, escritor, jornalista e investigador
Para arquivo, deixo aqui o texto de apresentação do livro de crónicas Ponte Europa do eminente intelectual e excelente amigo, António Valdemar, na Associação 25 de Abril em Lisboa:
Ponte Europa:
reflexões e advertências
de Carlos Esperança
Agradeço o convite que me
foi dirigido para apresentar em Lisboa o último livro de Carlos Esperança Ponte Europa; ao Carlos Esperança a
honra que me concedeu; à editora Âncora, e ao seu diretor António Baptista
Lopes, a distinção que também me honra; à Associação 25 de Abril, na pessoa do
seu presidente da direcção, Vasco Lourenço a oportunidade de falar acerca deste
livro (e em torno deste livro) que é fruto da Revolução de Abril.
A Associação 25 de Abril
é um dos espaços de Lisboa mais adequados para dar a conhecer o livro de Carlos Esperança e chamar a
atenção para a diversidade de temas que analisa. Basta salientar que uma das
mais crónicas se intitula Esta é a noite
que trouxe no ventre a madrugada. Constitui um louvor e agradecimento aos
militares que nos resgataram de 48 anos de tirania. Restituíram-nos a
liberdade; realizaram a descolonização possível; asseguraram as conquistas
democráticas essenciais para construir um Estado de Direito.
Fernando Paulouro –
colega e amigo dos que mais considero e estimo – na introdução deste livro de
Carlos Esperança já evidenciou que o mérito literário e o contributo cívico de
Carlos Esperança – que todos nós há muito admiramos – são parte indissociável do
percurso de uma vida dedicada às grandes causas humanas; à firmeza de
compromissos políticos; à amplitude das questões sociais e ao primado dos
valores culturais e cívicos.
Identifica-se com o
orgulho de ser republicano porque a República – assim, o declara – é “o lugar da igualdade de género, onde
desaparecem privilégios de raça, nascimento ou religião; onde se aceitam todas
as crenças, descrenças e anti-crenças; onde o livre pensamento, a laicidade e a
liberdade de expressão definem a matriz genética do regime.”
Esta síntese coloca-nos
perante o homem que, desde sempre e correndo todos os riscos pessoais e
profissionais, se insurgiu contra as iniquidades da ditadura de Salazar e
Caetano apoiada na repressão da PIDE, na prepotência feroz dos Tribunais Plenários,
na arbitrariedade da Censura/Exame Prévio e na aliança com as directrizes
retrógradas do episcopado católico.
Ponte
Europa é um nome simbólico que reúne uma selecção de textos
do maior interesse e da maior oportunidade. Acentua a importância de conjugar a
liberdade com a justiça social e a concretização das necessidades básicas na
saúde e no ensino, assegurando hospitais de referência e instituições de ensino
público, laico e democrático; a urgência de operacionalidade e eficácia na
Justiça; a exigência, em todos os sectores do Estado, da “ética republicana que impõe prazos ao exercício do poder, e impede a
perpetuação no desempenho de cargos políticos”.
Estes e outros temas
determinaram a intervenção crítica de Carlos Esperança (patente em todo o
livro), tanto mais que assistimos ao adiamento sistemático de projetos
estruturais para responder a situações precárias. E quando também se depara um
progressivo embranquecimento do passado. Desse passado que nos manteve
“orgulhosamente sós”, de costas voltadas para o mundo.
Ao alertar-nos para estas
realidades preocupantes, Carlos Esperança comunica-nos as suas reflexões e
advertências numa escrita ágil, fluente, incisiva, própria de quem domina a
língua portuguesa e de quem conhece os seus paladinos clássicos e
contemporâneos.
Direi, ainda, que
representa mais outro motivo de apreço por esta obra e pelo seu autor, o
reencontro com as raízes da procura da modernidade, do desenvolvimento, da
emancipação cívica e cultural, dos sinais de expectativa, em face de um mundo
em mudança contínua.
Esse é o alfa e o ómega que nos conduzem às Conferências Democráticas do Casino; à
denúncia das Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, à Constituição da
República de 1911; à vitalidade doutrinária da Seara Nova, aos protestos do MUNAF e do MUD, às campanhas
eleitorais de Norton de Matos e Humberto Delgado, ao Programa de Democratização
da República.
Mais próximo de nós, abrange
os Congressos da Oposição Democrática em Aveiro, os movimentos estudantis nas
Universidades em Lisboa Porto e Coimbra, (as únicas que então existiam), as
lutas sindicais, a proclamação do MFA na madrugada de 25 de Abril; a
Constituição da República Portuguesa de 1976 e o tratado da adesão de Portugal à
Europa.
Em suma: tudo quanto
afirma um Portugal livre e democrático, sempre aberto ao futuro. É por isso
que, hoje e aqui, todos nós também estamos de parabéns.
António
Valdemar
Texto da alocução
proferida a 8-2-2017, na Associação 25 de Abril, na apresentação do livro Ponte Europa, de Carlos Esperança.
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