José Saramago – 26 anos depois do Nobel
O maior ficcionista português de todos os tempos foi um escritor que se reinventou em cada livro que acrescentou ao banquete da literatura. O jornalista robusteceu a escrita na crónica e tornou-se um caso ímpar na arte de contar, na forma como moldou a língua e na argúcia com que abordou o outro lado da nossa História nas mais belas páginas da literatura.
Há 26 anos, mal acabara de ser anunciado o Nobel do nosso
contentamento, recebi uma chamada do meu querido colega e amigo Marinho Rosa a
transmitir-me a novidade e a dizer que a minha convicção se tornara realidade.
Esperava há anos ver o nome de Saramago entre os laureados do prémio maior da
literatura e acabara de acontecer.
Foi com um grito de júbilo que gritei a notícia no bar do
Hospital de Leiria, onde me encontrava, e ficar estupefacto com o
desconhecimento generalizado do escritor e a indiferença perante o galardão. Há
paladares rudimentares que a Universidade não ajuda a requintar, e as iguarias
são para quem sabe apreciá-las.
Vinte e seis anos volvidos, Saramago não carece de
panegiristas, merece apenas ser lido com a sedução que inspira, o prazer que
transmite em cada página e a descoberta da riqueza da língua portuguesa
trabalhada por um notável criador.
Ao indizível prazer da leitura do gigante literário que é
José Saramago junta-se o deleite pelo azedume que provocou o seu êxito e a
animosidade de que ainda é alvo.
L'Osservatore Romano, diário do Vaticano, escreveu quando
Bento 16 era líder da Empresa: “Saramago é, ideologicamente, um comunista
inveterado” e, alguns dias depois da sua morte, distinguiu-o com os epítetos
“populista extremista” e “ideólogo antirreligioso”.
Sousa Lara, pai do exorcista homónimo, subajudante de
ministro de Cavaco, censurou “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” e opôs-se a que
fosse incluído no concurso a um prémio literário europeu. Foi a rosto do
cavaquismo, intolerante, vesgo e analfabeto.
O eurodeputado do PSD, Mário David, nascido em Angola, e a
viver há décadas fora de Portugal, declarou ter vergonha de ser compatriota do
escritor e que este devia renunciar à nacionalidade portuguesa.
O Dr. Manuel Clemente, então bispo do Porto e depois o mais
medíocre patriarca de Lisboa do último século, afirmou que José Saramago
“revela uma ingenuidade confrangedora quando faz incursões bíblicas” e, como
“exigência intelectual, deveria informar-se antes de escrever”, com o se alguém
o obrigasse a ele, bispo, a pensar antes de falar.
Saramago teve a sorte de viver numa época, como admitiu, em que não havia fogueiras da Inquisição, e Portugal a de gerar um escritor cujas posições políticas são irrelevantes para a talentosa criatividade do Nobel do nosso contentamento.
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