A canonização de Pio 12 – 66.º Aniversário da sua morte – 9-10-1958
Mesmo com o atual Papa Francisco, de que a ICAR teve necessidade, como as nódoas da benzina, após dois pontificados a perder freguesia, os milagres perduram na indústria de produtos pios e no exercício ilegal da medicina por mortos com longa defunção.
Os santos continuam a nascer como cogumelos em noite de
orvalho e Pio 12 parece ser dos que estão bem colocados no certame e nas
intenções devotas.
Pio 12 não foi um celerado que arrancasse olhos a sérvios,
um carrasco que estivesse nos campos de concentração a assassinar judeus, um
biltre que usasse as próprias mãos para despachar hereges a caminho do Inferno.
Pio 12 foi apenas um Papa católico, amigo da ordem e da paz,
antissemita como os seus pios antecessores e anticomunista como os sucessores.
Foi com muita mágoa – dizem os panegiristas de serviço –, que assistiu em
silêncio ao extermínio dos judeus e, depois da guerra, para compensar,
converteu conventos e seminários em refúgios nazis, enquanto o Vaticano emitia
os respetivos passaportes para a América do sul.
Não se pode condenar Pio 12 pelo antissemitismo. É um dever
que o Novo Testamento impõe, é o culto de uma tradição que alimentou as
fogueiras do Santo Ofício e o preito de gratidão a todos os santos que
acossaram judeus, moiros e hereges, e dilataram a fé.
Pio 12 apenas queria celebrar concordatas com os Estados
fascistas, proteger as famílias cristãs dos malefícios do divórcio e assegurar
às crianças o ensino obrigatório da sua fé. Haverá odor que mais praza a Deus
do que o da combustão de hereges ou delícia maior do que a tortura de quem
professe uma religião errada?
Pio 12 merece ser canonizado. Muitos bem-aventurados de pior
reputação o foram já. O que o prejudica é não ser incluído em grupos numerosos
e, na singularidade papal, ter ainda quem recorde que o Vaticano foi um antro
de colaboração com o fascismo a que deve o Estado que Mussolini quis.
Mas não aconteceu o mesmo com João Paulo 2, um papa que já
fazia milagres em vida, apesar de só os mortos terem alvará para o ofício?
Faz hoje 66 anos que faleceu Pio 12, o papa que definiu o
dogma da Assunção de Maria em 1950. Foi ele que, no uso do dogma da sua
infalibilidade, criou o da subida de Maria ao Céu, em corpo e alma, ainda que
estas subidas e descidas sejam exclusivas das vias de comunicação celeste e do
nunca editado mapa de estradas do espaço sideral da fé.
Este Papa, venerável desde 2007 e com estátua em Braga, é
inábil a obrar milagres, mas não lhe faltam virtudes heroicas, algumas a exigir
o esquecimento.
Canonize-se o defunto. Com tantos anos de defunção, há muito que não fede.
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