Manuel Alegre
Um milhão de votos é uma vitória pessoal à espera de um projecto. Com eles Manuel Alegre pode fazer muito mal ao PS mas pouco bem a si próprio, porque a candidatura presidencial não tinha, nem podia ter, um projecto partidário. Não havendo projecto, estrutura e ideologia, não há partido.
E um partido é mais do que uma federação de votos de protesto e muito mais do que a vontade de alguns. Não vejo onde caiba entre os existentes. Vejo, sim, a necessidade do regresso ao combate ideológico, o que nenhum partido faz, com a honrosa excepção do PCP.
Infelizmente – digo-o com mágoa –, a ideologia vale pouco nos aparelhos partidários, mais interessados em ganhar eleições do que em transformar o País.
Infelizmente – digo-o desolado –, há ainda maior ausência de pensamento político e de estratégia fora dos partidos. Os partidos não são escolas de cidadania, são instrumentos de promoção pessoal. Mas, fora dos partidos, é ainda maior a indigência cívica e mais marcada a apatia pelo destino colectivo. São, pois, um mal necessário sem os quais não há democracia.
Não sei se a tradição autoritária da nossa história ainda condiciona os cidadãos ou é o «medo de existir» que transforma os portugueses em meros espectadores políticos que aderem aos partidos como se fossem clubes de futebol.
A cisão partidária nunca produziu, em Portugal, um projecto sólido e duradouro, nem quando os que saíram eram mais e melhores do que os que ficaram (caso da ASDI, no PSD), nem quando o passado e o prestígio pessoal auguravam grandes alterações no espectro partidário.
Manuel Serra era um grande antifascista e tinha com ele quase metade do PS. Saiu sem levar ninguém. Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira, históricos da luta contra a ditadura, saíram do PS e caíram no olvido.
Lopes Cardoso era uma personalidade fascinante, um político bem preparado e um ministro competente que prestigiou o PS. Saiu para fundar a Fraternidade Operária e acabou por regressar para dar ao PS e ao País o contributo de um parlamentar distinto.
António Barreto e Medeiros Ferreira quiseram «reformar» o País e limitaram-se a ajudar a direita a conquistar o poder. O primeiro é um reaccionário disfarçado, ressabiado com o PS. O segundo regressou e é um deputado de grande qualidade.
Citei pessoas com experiência e capacidade políticas. Agora recordemos o PRD com que Eanes quis prolongar o seu poder à saída de Belém. Havia um Comendador para pagar as despesas partidárias, José Rabaça para pensar, Hermínio Martinho para moço de recados e Eanes à espera da manhã de nevoeiro. Os eleitores desapareceram e o PRD foi objecto de uma oferta pública de compra e vendeu o alvará a um grupo de nazis.
Nos próximos tempos é o PS que vai sofrer grandes tensões, depois é a vez do PSD com os militantes a hesitar entre Belém e a Rua de S. Caetano, à Lapa.
Apostila – Ouvi a Inês Pedrosa dizer, com farpas a Sócrates, que já existe um movimento sob os auspícios de Manuel Alegre. Mau princípio. Tratando-se de um movimento para afrontar o secretário-geral é um favor à direita e uma certidão de óbito para si próprio.
E um partido é mais do que uma federação de votos de protesto e muito mais do que a vontade de alguns. Não vejo onde caiba entre os existentes. Vejo, sim, a necessidade do regresso ao combate ideológico, o que nenhum partido faz, com a honrosa excepção do PCP.
Infelizmente – digo-o com mágoa –, a ideologia vale pouco nos aparelhos partidários, mais interessados em ganhar eleições do que em transformar o País.
Infelizmente – digo-o desolado –, há ainda maior ausência de pensamento político e de estratégia fora dos partidos. Os partidos não são escolas de cidadania, são instrumentos de promoção pessoal. Mas, fora dos partidos, é ainda maior a indigência cívica e mais marcada a apatia pelo destino colectivo. São, pois, um mal necessário sem os quais não há democracia.
Não sei se a tradição autoritária da nossa história ainda condiciona os cidadãos ou é o «medo de existir» que transforma os portugueses em meros espectadores políticos que aderem aos partidos como se fossem clubes de futebol.
A cisão partidária nunca produziu, em Portugal, um projecto sólido e duradouro, nem quando os que saíram eram mais e melhores do que os que ficaram (caso da ASDI, no PSD), nem quando o passado e o prestígio pessoal auguravam grandes alterações no espectro partidário.
Manuel Serra era um grande antifascista e tinha com ele quase metade do PS. Saiu sem levar ninguém. Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira, históricos da luta contra a ditadura, saíram do PS e caíram no olvido.
Lopes Cardoso era uma personalidade fascinante, um político bem preparado e um ministro competente que prestigiou o PS. Saiu para fundar a Fraternidade Operária e acabou por regressar para dar ao PS e ao País o contributo de um parlamentar distinto.
António Barreto e Medeiros Ferreira quiseram «reformar» o País e limitaram-se a ajudar a direita a conquistar o poder. O primeiro é um reaccionário disfarçado, ressabiado com o PS. O segundo regressou e é um deputado de grande qualidade.
Citei pessoas com experiência e capacidade políticas. Agora recordemos o PRD com que Eanes quis prolongar o seu poder à saída de Belém. Havia um Comendador para pagar as despesas partidárias, José Rabaça para pensar, Hermínio Martinho para moço de recados e Eanes à espera da manhã de nevoeiro. Os eleitores desapareceram e o PRD foi objecto de uma oferta pública de compra e vendeu o alvará a um grupo de nazis.
Nos próximos tempos é o PS que vai sofrer grandes tensões, depois é a vez do PSD com os militantes a hesitar entre Belém e a Rua de S. Caetano, à Lapa.
Apostila – Ouvi a Inês Pedrosa dizer, com farpas a Sócrates, que já existe um movimento sob os auspícios de Manuel Alegre. Mau princípio. Tratando-se de um movimento para afrontar o secretário-geral é um favor à direita e uma certidão de óbito para si próprio.
Comentários
É a sua opinião que eu respeito. Não é a minha. E, como não sou do PS, não terá oportunidade de me insultar, como deseja.
Mas, se é de esquerda como parece, espero que saiba ler a nova realidade política criada com a eleição de Cavaco.
E mais não digo.
Quanto a lambe-botas ou procura de tachos não deve ser comigo, apenas pode ser uma projecção do seu carácter.
É tempo de sujeitar os Partidos a uma exigência maior de democracia.
A democracia tem vários níveis. Numa escala de 1 a 5, a nossa fica-se por uns 2,5 a 3.
Continua a vingar o máxima da obediência ao Chefe, que faz as listas de deputados, escolhe os autarcas e apoia candidatos à Presidência. Ou seja, o poder absoluto do Chefe, ainda que referendado por "directas internas", e as estruturas locais só servem como comissões de festas... E ainda se queixam do Alberto João!
Não significa isto que os partidos sejam os "mal-feitores" da democracia. Essa é a via que quer acabar com o sistema democrático.
O que digo é que os partidos têm que dar a palavra aos seus membros (não apenas aos seus chefes) quando se trata de fazer as escolhas fundamentais: listas de deputados, autarcas, e claro PR.
Além disso, o acesso aos partidos e participação neles deve reger-se por princípios de interesse público e não de clube meramente privado.
Caso contrário, a República não é mais do que coutada de meia dúzia de Ilustres.
Prezo a coerência e a honestidade intelectual. E V. Exa. nunca me desiludiu (discordei de si, por vezes, e da sua visão demasiado seguidista, mas nunca me desiludiu)...
Contudo, não posso - em nome da coerência - deixar de comentar o seu post e o seu último comentário. Porque não esperava isto de si...
E passo a explicar: se os aparelhos partidários perpetuam os seguidistas e os "anti-ideologia" (concordo), como pode V. Exa. ter apoiado o candidato do aparelho de um partido que diz não ser o seu?
Não discutindo os méritos e deméritos de Soares (que tem um lugar na história portuguesa), a candidatura que protagonizou mais não foi do que a tentativa de perpetuação de um seguidismo bacoco e de tentativa de acertar contas com a história. Aqui, penso, a sua coerência ficou muito aquém dos exemplos...
Depois, Alegre... O homem quis ser candidato e foi. Teve um resultado histórico, contra a candidatura do partido que V. Exa. diz não ser o seu, mas que apoiou com unhas e dentes, contra esta (a de Alegre) muito mais "ideológica", muito menos seguidista. Muito mais pura...
É que, caro bloguista Esperança, nisto da coerência não dá para estar com um olho no burro outro no cigano...
Por último: não tenha medo, o homem não vai fundar um partido. Porque ao contrário de outros PS's (mesmo os que dizem não o ser) é coerente!
Aprecio o seu post, sereno, lógico e intelectualmente honesto. Apenas posso dizer que a minha posição é diferente da sua, o que não é um mal.
Se o movimento cívico de Manuel Alegre tiver em vista, por exemplo, a dinamização da despenalização do aborto, terá o meu apoio empenhado.
Quanto a ser do PS, apenas afirmo que não sou militante o que é um facto. Mas outro facto, contrariamente ao que afirma um anónimo qualquer, é que também não fui de outro partido qualquer.
Fui militante político (com presença física) até 1975, empenhado no MDP/CDE onde me empenhei antes do 25 de Abril. Mas, até na CDE não havia inscrições, por motivos óbvios, em ditadura.
Por isso, até hoje, nunca assinei uma ficha partidária e não sei como se processa uma reunião concelhia ou distrital.
Quanto ao empenhamento cívico, vou mantê-lo. Umas vezes acertarei, outras errarei, mas não farei depender das vitórias ou derrotas a força das convicções e a inteireza de carácter.
E, finalmente, nunca deixarei de pensar que os outros podem ter razão, sem deixar de defender o que, para mim, é, em cada momento, a posição certa.
Se assim for porque não esperar para ver o que vai acontecer e não começar já a apontar as tentativas falhadas do passado. Afinal a morte e substituição de partidos ácontece, os Whigs foram substituidos pelos Tories no Reino Unido no início do séc. XX e claro houve tentativas anteriores de substituição que fracassaram.
Qd os partidos não se renovam por dentro mais tarde ou mais cedo, mais tentativa ou menos tentativa renova-se o espaço ideólogico por fora.
E contudo se MA quer fazer um movimento de cidadania com causas porquê atacá-lo desde já?
Sr. Esperança se não é filiado em nenhum partido, se preza a sua liberdade como cidadão, porquê tanto ataque a quem quer dar aos cidadãos como você uma voz? Ou não se filia para se dizer independente, e agir como infiltrado do aparelho partidário (não se sinta insultado é só uma provocação, de mau gosto até, mas...)
espero para breve a tua reflexão sobre o que correu mal do lado da candidatura que apoiaste.
digo isto porque sei sem sombra de dúvidas, que és uma pessoa intelectualmente honesta.
ficamos a 32052 votos da segunda volta.
a esquerda tem muito sobre o que reflectir, mas não só em relação à candidatura de manuel alegre e ao comportamento dos seus apoiantes.
e sinceramente, acho que o melhor que temos a fazer é começar já essa reflexão, mas com serenidade, porque não vale a pena chorar sobre leite derramado, mas de uma crise política pode saír algo melhor...
anónimo das 12h49m:
concordo consigo.
A inveja e o sectarismo ideológico de Alegre, e outros como ele, enfraqueceu a qualidade da composição do governo, deteriorando a governação, à medida que os independentes foram saindo, substituídos por aparelhistas muito pior preparados para governar. O pântano a que António Guterres se referiu, quando fugiu das suas responsabilidades, estava dentro do seu partido. E continua a estar. É bom que José Sócrates se ponha a pau...
in:GLQL
Sei do teu empenhamento afectivo e intelectual na campanha de Manuel Alegre. É ocioso reiterar a simpatia e consideração que te devoto.
No entanto, e isso é que é importante agora, não partilho dos teus pontos de vista.
Com que legitimidade nós, que não pertencemos ao PS, queremos condicionar a sua vida interna?
Que eu saiba o PS não é muito exigente nas entradas (como, aliás, o PSD ou o CDS). Quem quer contestar a linha do partido, com eficácia, deve inscrever-se.
Eu não estou disponível e, por isso, submeto-me ou não às escolhas que o PS faça. Reconheço que me faltam opções de voto mas isso não é motivo para me juntar a todos os que querem destruir um partido cuja debilidade se torna perigosa.
Por mim, com o risco de errar, continuo a fazer análises sobre a hora, sem esperar para ver o que diz a comunicação social.
Sei que fazia um brilharete se ouvisse o António Barreto e escrevesse o contrário. Seria uma opinião «inteligente e sensata».
P.S. Vou apagar o duplicado do teu texto.
sobre isto: Com que legitimidade nós, que não pertencemos ao PS, queremos condicionar a sua vida interna?
não concordo. os partidos existem para servir um ideal. os partidos não são nada se não tiverem eleitores. e eu faço parte daquele núcleo duro de eleitores que votam sempre PS.
mesmo quando o guterres saíu, eu votei PS, apesar de me ter sentido traído pela forma com que guterres abandonou o cargo.
não sendo militante, poucas pessoas serão mais fieis ao PS do que eu.
se eu achasse que a candidatura de alegre fosse uma questão interna de facções, não o teria apoiado.
a questão aqui é que o PS sem pessoas como eu não é nada. e é muito importante que os seus dirigentes pensem por que razão pessoas como eu se sentem traídas pelo PS.
naõ é apenas a questão de manuel alegre, são todos os desvios que a prática governativa está a revelar, são os tiques de prepotência também. é uma liderança que disfarça a sua fraqueza com gestos de arrogância.
a razão por que nunca me tornei militante do PS é que conheço bem como funcionam as juventudas partidárias, e, até agora, pela idade, teria de me sujeitar a ser um jovem socialista, o que acho perfeitamente ridículo. cheguei à idade adulta bem cedo, desde muito jovem que tive de assumir responsabilidades que a maior parte dos adultos suporta mal,e nunca aceitei a menorização dos jovens, de que a existência de juventudes partidárias até aos 30 anos (caso do PS) é um exemplo.
agora também não estou interessado. em nome da minha adesão aos valores e ideais da esquerda democrática. é pelos frutos que se conhecem as árvores, perdoa-me que cite esta frase do evangelho, mas, aplicando isto ao PS, na prática o PS deixou de ser um partido de esquerda, para ser um partido do CENTRÃO e eu odeio o centrão.
de qualquer modo, se vires bem o que escrevi no comentário acima, eu não falei no PS mas sim na esquerda.
como cão de esquerda, sinto-me no dever de reflectir e promover a reflexão das causas desta derrota.
porque, se é verdade que Manule Alegre não passou à 2ª volta porque cavaco teve 32052 votos a mais do que teria de ter para forçar à 2ª volta, também não podemos esquecer que teve mais de 50% dos votos válidos.
por alguma razão foi.
compreender porquê é fundamental para percebermos em que estado está a democracia em portugal.
mas a reflexão sobre a esquerda tem de ser mais vasta e ter em conta também a realidade dos outrso países, na europa e fora da europa. a chave está na forma como a esquerda se deixou cilindrar pelo neo-liberalismo, como deixou que se construisse um sistema internacional pós queda do muro de berlim que não deixa espaço para políticas alternativas. e sem alternativas não há democracia, há, no máximo, rotativismo.
um abraço, cão
o comportamento dele no blog bicho carpinteiro revelou muito pouco apego à livre expressão de ideias.
O Medeiros Ferreira é apenas um bom deputado. Não tenho particular simpatia por quem se juntou à direita contra a esquerda que o fez ministro.
Claro que, pior, é o António Barreto que condenava o PCP por estar muito à direita.
Mas isso são contas de outro rosário.
Quanto às tuas afirmações há muitas que podia rebater mas que não quero deixar aqui como armas para a direita.
Posso fazê-lo em e-mail particular.
a superioridade da esquerda está entre outras coisas no seu pluralismo e na sua capacidade de reflexão. duas coisas que a direita não sabe o que são.
por isso me custa ver por vezes pessoas de esquerada a terem cmportamentos típicos dos militantes da direita. foi o caso do medeiros ferreira. mas não é o teu caso.
as nossas divergencias não nos enfraquecem.