Abel, Caim, Deus, Saramago e a Justiça

Saramago nunca entendeu a história de Abel e Caim.
Relembremos que Caim, movido pela inveja e pela maldade, assassinou o seu irmão, Abel. Perante isso, Deus não deu um "castigo radical" ao criminoso, como Saramago entenderia correcto (Diário de Notícias, 25.10.09).
Antes lhe impôs uma pena de "degredo", deixando ao malvado o caminho do remorso e da memória cruel, longa e fria.

Saramago tem um problema com esta história, com esta parábola, com este texto. Certamente que se Deus fosse José Staline ou Talião, o sentido de justiça seria mais cru, mais prático e menos magnânimo.

Pessoalmente acho que a parábola de Abel e Caim é um texto belo na sua mensagem. Mesmo perante o mais cruel assassinato, devemos manter a temperança, a prudência e ser suaves no castigo.
Ou, por outra, o maior castigo que se pode dar a um fratricida é uma vida longa.

Como português e jurista, orgulhoso de termos abolido a pena de morte em 1867 - um dos primeiros países do mundo! - só posso rever-me na parábola do Capítulo 4 do Génesis.

Nem vejo onde esteja a tremenda maldade, ou o Deus terrível do velho testamento. Pode estar noutros lados, mas não neste Capítulo, nesta história, nesta parábola, nesta lenda.

Para já agradeço a Saramago a oportunidade de ir ler, com olhos de ver, as interessantes parábolas do Génesis.

Comentários

Rui Cascao disse…
Muito interessante o post André. Não o tinha visto por esse ângulo, o do castigo mitigado a Caim (ainda que a progressão geométrica geração após geração do 7x7x7 (...) até Matusalém se tenha traduzido no castigo da moratlidade do homem). A mim parece-me que o mau exemplo do capítulo 4 do Génesis é mesmo a atitude caprichosa de "Deus- אֱלוֹהִים" ao perante igualdade de mérito premiar apenas Abel-o pastor que lhe apresentou a ovelha degolada- em detrimento de Caim, que o prendou com os legumes da sua horta.
Para além de ser flagrante a injustiça de tal discriminação (para mais considerando a omnipotência, omnisciência e omnividência que é apanágio de Deus- אֱלוֹהִים ), tal é ainda mais flagrantemente um exemplo de injustiça se examinado de uma perspectiva de justiça distributiva, especialmente de acordo com a perspectiva marxiana da justiça distributiva- "de cada um segundo as suas possibilidades, a cada um segundo as suas necessidades".
Parece-me que será essa a ideia de Saramago.
andrepereira disse…
Sim, um pai ou professor que atenta mais num filho ou num discípulo que no outro é algo injusto. Mas é um facto da vida e que não deve ser tomado tão a peito!
Isso não justifica - obviamente - que Caim mate o seu irmão! É pura inveja, ciúme e cegueira do mal. O castigo não radical que esse pai deu ao filho parece-me uma boa lição e uma boa ética.
André:

E um deus, omnipotente, deixou cometer o crime?
meus amigos,
caim simboliza a razão e abel simboliza a fé. Caím ao matar Abel passou a viver errante, o que deve unicamente à sua própria liberdade que usou a ao ter assassinado o seu irmão, e viverá continuamente errante,isto é, mutilado e amputado enquanto não resgatar Abel (coração e fé). só quando for possível à humanidade resgatar essa fraternidade perdida é que então almejaremos a perfeição e conheceremos plenamente a Deus. Bem hajam. Não se deixem levar por interpretações tóxicas dos textos bíblicos. O Deus dos Homens vale muito mais que o deus do Saramago.

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