Fé, preconceito e repressão: uma visão alternativa
(fotografia do autor em Bathu Ferringhi, Penang, Malásia), © 2012 Rui Cascão, todos os direitos de autor transferidos para este Blogue)
Permito-me muy respeitosamente discordar da opinião do Carlos Esperança neste post.
Isto é, não me levem a mal, uma falsa questão. Não querendo parecer impertinente, mas acho que, da experiência que tenho de várias culturas e países islâmicos, há coisas que não se podem analisar de forma monolítica e monocromática. E o viés ocidental pouco ajuda ao multiculturalismo.
Certo é que há, em alguns países e sub-culturas islâmicas, uma misoginia que frequentemente se traduz na imposição social e legal de determinadas formas de indumentária à mulher; mas não só; aí também a indumentária dos homens é conservadora, de certa forma como em qualquer parte do mundo (eu também gostaria de poder ir trabalhar todos os dias de calções, T-shirt e sandálias e no entanto uma qualquer regra social desagradavelmente sedimentada impõe-me que traje um tão desconfortável fato, gravata e sapatos apertados em determinadas ocasiões).
A diversidade da indumentária feminina islâmica varia muito e é, porventura na maioria dos países islâmicos, legalmente (e com frequência socialmente) opcional na maioria dos contextos, variando a sua aceitabilidade social do específico contexto social, etário, económico e profissional da pessoa em causa. Infelizmente, o viés ocidental (viés ocidental que é frequentemente entendido fora do mundo ocidental como expressão de arrogância e uma certa ideia de superioridade cultural do ocidente), raramente vê (ou procura ver) que há uma diferença brutal entre a legal e socialmente imposta inexorável Burqa afegã ou o negro e lúrido Niqab de algumas comunidades do Golfo qque tudo tapam e um Hijab colorido e garrido (azul celeste, cor de rosa, turquesa, açafrão) adornado orgulhosamente (e por vezes por mero "fashion statement" por uma mulher iraniana, malaia, indonésia, libanesa ou turca, hijab esse que pouco tapa, frequentemente combinado com maquiagem carregada (já vi mulheres a combinarem hijab e mini-saia na Malásia).
Toda esta "narrativa" do véu islâmico é, a meu ver, exagerada e amblíope e toma o todo pela parte. De certa forma, a modéstia feminina, neste contexto, acaba por ser identificada com o Islão, olvidando o facto de estar presente em tantas outras culturas e religiões por todo o mundo. O cabelo da mulher é tradicionalmente coberto no católico sul da Europa (freiras, mulheres de aldeia, cerimónias religiosas), entre o que resta dos calvinistas e menonitas conservadores (pense-se nos Amish da Pensilvânia), as hebreias hassídicas, o sari das mulheres hindus, etc., etc. E ainda em determinados contextos sociais, profissionais e culturais no ocidente: hospedeiras de voo, empregadas domésticas, pessoal de cozinha, corridas de cavalo em Ascot, cerimónias religiosas (raras são as noivas sem véu), etc.
Para mim, mil vezes mais bonito e alegre é um hijab cor de rosa ou azul bebé do que os lenços e xailes negros das mulheres das aldeias um pouco por todo Portugal... Já para não falar dos hábitos das freiras católicas ou do lúgubre capote que as mulheres do Alentejo e Beira Baixa usavam até há bem pouco (tão aptamente explorado pelo Estado Novo na sua manobra de propaganda da aldeia mais portuguesa de Portugal.
O verdadeiramente importante não é o hábito, mas a efectiva liberdade de o monge o poder trajar ou não o trajar.
Comentários
Aí é que está o problema, Rui Cascão.
Por cada mulher que gosta de usar burqa, por exemplo, há milhares que são obrigadas.
Apesar do pedido de desculpas, este não é o local adequado para anúncios.
Em muitos países islâmicos, a mulher tem a liberdade legal (e frequentemente a social) de o fazer: Turquia, Indonésia, Malásia, Líbano, Albânia, Bósnia, Bangladesh, Marrocos.
Nos países ocidentais em que há um Estado de Direito Social, as que aderem à indumentária islâmica,fazem-no de livre vontade (tive na Holanda colegas muçulmanas, juristas de alto nível e financeiramente independentes que optavam, ainda que solteiras, emancipadas e feministas, por usar o véu).
O fenómeno é muito complexo e, a meu ver, não se presta a soluções monolíticas.
Abraço,
RC
Em países laicos o Islão comporta-se civilizadamente mas qual é o país islâmico onde a liberdade é um paradima e a igualdade de género um direito adquirido?
A verdade é que nos países islâmicos a liberdade é exceção.
È também largamente dominante nesses países a misoginia. As mulheres são vistas como a origem do Mal, e como tal tratadas. São inúmeros os casos de mulheres que são violadas e ainda por cima são castigadas por isso, por vezes com a morte.
E o caso daquela vereadora que não pôde ser presidente por ser bonita "demais"?
E isto não é assim só com pessoas incultas. Tenho conhecimento de um congresso científico internacional realizado num país árabe em que na sala principal só estavam homens. As cientistas mulheres estavam numa sala ao lado a assistir ao congresso...por vídeo!
Há valores que são universais, e não há "multiculturalismo" que justifique a sua violação.
O que me parece é que a opinião que os Ocidentais têm do mundo islâmico se centra apenas naquelas sociedades em que a mulher é obrigada, legal ou socialmente, ao véu. É preciso ter em conta que parte bastante significativa das mulheres islâmicas têm- e exercem- essa liberdade. Basta juntar a população da Indonésia e a da Turquia (onde inclusivamente as mulheres estão legalmente proibidas de o usar em determinados lugares públicos) para ilustrar este ponto.