Antes das 11 horas da manhã, uma numerosa comitiva de polícias, militares da GNR, e alguns outros do Exército, tomaram posições em frente à Igreja de Santa Cruz. Bem ataviados esperavam a hora de deixarem a posição de pé e mergulharem de joelhos no interior do templo do mosteiro beneditino cuja reconstrução e redecoração por D. Manuel lhe deu uma incomparável beleza. Não era a beleza arquitetónica que os movia, era a organização preparada de um golpe de fé definido pelo calendário litúrgico da Igreja católica e decidido pelas hierarquias policiais e castrenses. Não foi uma homenagem a Marte que já foi o deus da guerra, foi um ato pio ao deus católico que também aprecia a exibição de uniformes e a devoção policial. No salazarismo, durante a guerra colonial, quando as pátrias dos outros eram também nossas, não havia batalhão que não levasse padre. Podia lá morrer-se sem um último sacramento!? Éramos o país onde os alimentos podiam chegar estragados, mas a alma teria de seguir lim...
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O VELHO ABUTRE
O velho abutre é sábio e alisa
as suas penas
A podridão lhe agrada e seus
discursos
Têm o dom de tornar as almas
mais pequenas
Era precisa muita coragem para publicar isto em 1962!
As alterações imunitárias que me provocam coceira não passam por qualquer distúrbio decorrente da possibilidade de altos representantes do Estado estarem ausentes. O meu prurido assenta nas pessoas que, estando lá por inerência dos cargos que ocupam, nunca entenderam a 'poeta', aquela que desdenhava do termo poetisa.
As imagens da chegada do féretro ao Panteão transportaram-me para um gritante contraste entre a monumentalidade e o espaço cheio de 'gente vazia'.
Na verdade, 10 anos despois do seu desaparecimento físico, o povo que Sophia exaltou nos seus poemas ficou em casa deixando espaço livre para 'esta gente'...
Esta Gente
Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco
Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis
Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre
Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome
E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada
Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo
Sophia de Mello Breyner Andresen, in "Geografia"