Ramalho Eanes referiu como trágica a descolonização em que «milhares de pessoas foram obrigadas a partir para um país que não era o seu». Tem razão o ex-PR cujo papel importante na democracia e o silêncio o agigantou depois da infeliz aventura por interposta esposa na criação do PRD e da adesão à Opus Dei, sempre por intermédio da devota e reacionaríssima consorte, que devolveu o agnóstico ao redil da Igreja. Eanes distinguiu-se no 25 de novembro, como Dinis de Almeida no 11 de março, ambos em obediência à cadeia de comando: Costa Gomes/Conselho da Revolução . Foi sob as ordens de Costa Gomes e de Vasco Lourenço, então governador militar de Lisboa, que, nesse dia, comandou no terreno as tropas da RML. Mereceu, por isso, ser candidato a PR indigitado pelo grupo dos 9 e apoiado pelo PS que, bem ou mal, foi o partido que promoveu a manifestação da Fonte Luminosa, atrás da qual se esconderam o PSD e o CDS. Foi nele que votei contra o patibular candidato do PSD/CDS, o general Soares...
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O VELHO ABUTRE
O velho abutre é sábio e alisa
as suas penas
A podridão lhe agrada e seus
discursos
Têm o dom de tornar as almas
mais pequenas
Era precisa muita coragem para publicar isto em 1962!
As alterações imunitárias que me provocam coceira não passam por qualquer distúrbio decorrente da possibilidade de altos representantes do Estado estarem ausentes. O meu prurido assenta nas pessoas que, estando lá por inerência dos cargos que ocupam, nunca entenderam a 'poeta', aquela que desdenhava do termo poetisa.
As imagens da chegada do féretro ao Panteão transportaram-me para um gritante contraste entre a monumentalidade e o espaço cheio de 'gente vazia'.
Na verdade, 10 anos despois do seu desaparecimento físico, o povo que Sophia exaltou nos seus poemas ficou em casa deixando espaço livre para 'esta gente'...
Esta Gente
Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco
Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis
Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre
Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome
E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada
Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo
Sophia de Mello Breyner Andresen, in "Geografia"