Algumas ilações das eleições brasileiras


Os resultados da 1ª. volta das eleições presidenciais no Brasil conduziram Dilma Rousseff e Aécio Neves a terem disputar novamente o eleitorado em 26 de Outubro.

A primeira ilação é tentar perceber por que razão Marina Silva claudicou à beira das urnas. Na verdade, tratou-se do natural epílogo de um constante deslizar para baixo verificado desde o ‘boom’ emocionalmente conseguido à volta do trágico acidente que vitimou o candidato Eduardo Campos e que a discussão política posterior foi paulatinamente esvaziando.
Marina Silva ‘pagou’ (perdeu) por várias razões. Não exibiu densidade política suficiente apresentando-se como uma personagem ideologicamente saltitante e hesitante apesar do seu passado; não tinha uma máquina partidária ‘dominada’ e oleada tendo surgido no quintal do PSB do como uma intrusa; e, ainda, a sua ligação à ‘causa evangélica’ onde a religião se associava a evidentes manobras de conquista e usura do poder em vez de clarificar e sossegar os eleitores ameaçava criar mais um problema aos muitos da República Federativa.

De seguida, interessa compreeender a situação criada (mantida) pelos candidatos do PT e PSDB. Trata-se de uma ‘histórica rivalidade’ que vem do final do século XX já que os 2 partidos 'colonizaram' as últimas 5 eleições presidenciais brasileiras. Na penumbra das incertezas geradas pela votação de domingo existe um regresso às figuras tutelares mais recentes da política brasileira: Lula e FHC.
Ao fim e ao cabo uma peleja que será travada entre o (neo)desenvolvimentismo do PT e o (neo)liberalismo do PSDB. O Brasil é a resultante de uma situação política, económica, social e cultural muito complexa e esta circunstância, ligada à sua gigantesca dimensão e enorme diversidade, acaba por influenciar os actos eleitorais um pouco desordenadamente. Esta dificuldade de entendimento empurra a análise para modelos clássicos onde reaparecem ‘palavrões ‘ como capital, burguesia, proletariado, luta de classes, etc. um pouco deslocados do léxico pós-moderno da política mundial. Todavia, esta metodologia de análise usando os tradicionais ‘bordões’ da política será ainda a mais correcta e compreensível.

O PT desiludiu muita gente de esquerda no Brasil e no Mundo. Fundamentalmente, à custa das embrulhadas onde se meteu no campo da corrupção. Mas a desilusão terá ido mais além, atingindo o patamar ideológico onde são notórias múltiplas derivas. À deriva (neo)liberal de Collor de Melo e de Fernando Henriques Cardoso juntou-se uma outra ‘neo-desenvolvimentista’ corporizada pelo PT e o seu líder carismático Lula da Silva.
De facto, na última década dominada pelo PT a sempre presente ofensiva ideológica do capital levou o partido do poder a ignorar o referencial de classe e a mergulhar nas águas tumultuosas de um outro conceito: o ‘neodesenvolvimentismo’. Ao tentar branquear-se, politicamente, o facto de que o ‘desenvolvimentismo’ ser uma nóvel utopia da burguesia para a economia com um ‘ar de esquerda’, como o ‘monetarismo’ é (e continua a ser) o instrumento para as políticas de direita, a confusão está lançada.
Transformando os governos de Lula e Dilma em modelos distantes de qualquer base socialista clássica ou ortodoxa, em movimentações populares eivadas por uma ténue réstea de ‘trabalhista’ podemos definir o actual PT como transportador e agregador de uma filosofia política de esquerda, ‘pós-liberal’, muito indefinida e volátil. Na verdade, para um País com os problemas e a dimensão social e cultural do Brasil um modelo assente no conceito de ‘desenvolvimento virtuoso’, subentendido como uma ‘solução capitalista’, não passará de uma ilusão com altíssimos custos políticos.
Muita desta deriva deve-se também à crise da social-democracia e do socialismo na Europa que, efectivamente, entrou em crise desde as as ‘terceiras vias neoliberalizantes’ e deixou de ser uma referência para o Mundo. Um dos dramas destes resultados das eleições brasileiras é o insofismável empobrecimento das alternativas de Esquerda.

Por outro lado, o PSDB de Aécio Neves afirma-se, cada vez mais, como um partido estruturante da burguesia brasileira que, nos tempos da mundialização financeira, vem ganhando espaço político, ultrapassando a sua restrita vertente oligárquica e seduzindo a pequena-burguesia nacional e o funcionalismo público. A disputa eleitoral (entre o PSDB e PT) deslocou-se para a dita ‘classe média’ colocando-a no centro da refrega onde o PSDB aparece, também, como interessado em vender ‘ilusões desenvolvimentistas’ deixando o espaço do PT restrito às apostas de fazer crescer a economia e distribuir a riqueza. Na verdade, não por sua única iniciativa mas porque efectivamente o PT já não consegue, sem entrar em insanáveis (e insaciáveis) contradições, representar o proletariado clássico e sindical que, no início deste século, o trouxe ao Palácio do Planalto e ao mesmo tempo satisfazer os apetites e os projectos de uma classe média nascente. A aliança táctica entre a pequena burguesia nacional e a tarefa de retirar da pobreza milhões de brasileiros foi a estratégia político-ideológica do 'lulismo' mas não é uma receita eterna já que o seu sucesso a esvazia. Na realidade, a fidelidade política dos ‘deserdados’ morre quando os mesmos ascendem à classe média.

A ‘nova classe média’, isto é, o “precariado” (se for permitida uma analogia terminológica com o proletariado), é uma crescente massa de assalariados mal paga, vítima de uma permanente instabilidade social e laboral, essencialmente urbana e altamente diferenciada. Este não é um terreno fácil para a Esquerda. No Brasil, no Mundo e, também, em Portugal que parece encaminhar-se rapidamente para eleições legislativas…

Esta a grande ilação das eleições de ontem que não pode, nem deve, ser restringida ao Brasil. Serve para toda a Esquerda em qualquer sítio e em todos os lugares.

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